Once upon a time

Osso?

Sidney Borges

A história é antiga, mas vale à pena contar novamente. Era uma vez uma família da mais alta nobreza da Inglaterra. Moravam em um castelo perto do aeroporto de Stansted antes que o aeroporto existisse. Lá viviam o pai, a mãe o filho e a filha. A filha era normal, mas o filho era cheio de não me toques. Em Portugal diriam salta-pocinhas o que não é exatamente um elogio, mas é menos ofensivo do que paneleiro. O menino cresceu entre livros de poesia, aulas de canto, coleções de selos e longos passeios pelos campos da família. Nunca jogou futebol, nunca se interessou por rúgbi, jamais cogitou em assistir a uma luta de boxe como faziam seus primos. O pessoal desconfiava que ele fosse gay, mas como eram educados jamais tocaram no assunto. Certo dia, durante o jantar o jovem, já com vinte e dois anos, anunciou solenemente que tinha conhecido uma moça e que gostaria de apresentá-la à família. A surpresa foi grande, o mordomo atacado de alta perplexidade derrubou a sopeira de porcelana chinesa da dinastia Ming. A chegada da moça causou mais surpresa ainda. Era delicada, bonita sem ser exuberante e quieta. Tão quieta quanto ele. Durante alguns meses o casal se encontrou diariamente. Permaneciam calados, inertes, um ao lado do outro por horas a fio. Nem um movimento suspeito, nada de abraços e neca de beijos. Outras modalidades de carícias nem pensar, ele nunca passou a mão na bunda dela. Mistério, um casal misterioso aquele. E mesmo assim casaram-se. Viajaram para a Índia em lua de mel onde permaneceram por seis meses. Quando retornaram ao castelo a curiosidade de familiares amigos, empregados e da torcida do Chelsea era imensa. Será que aconteceu alguma coisa? A pergunta pairava no ar. Será? O noivo tinha um tio com aptidão para contar histórias. Sabendo que a esposa de seu sobrinho adorava ouvi-las, resolveu descobrir a verdade.
Foi programada uma grande festa para recepcionar o casal. Após o jantar os convidados conversavam entre licores e charutos e o tio pediu a palavra para contar uma aventura na África. Todos se acomodaram para ouvir. Uma história bem contada impressiona tanto quanto um bom filme ou um bom livro. A noiva que já era calada calou mais, ficou estática prestando atenção aos ínfimos detalhes da narrativa.
O tio começou falando de uma caravana de carregadores em fila indiana levando fardos sobre a cabeça. Ele caminhava na frente procurando tigres. Os carregadores eram de uma tribo de homens altos e longilíneos. Andavam nus, com a genitália balançando ao vento, o que como veremos adiante pode ser perigoso. Num dado momento avistaram o tigre. Com a arma carregada o tio se ajoelhou em posição de tiro. O tigre pressentindo o perigo avançou. A arma foi disparada mas falhou. Sem alternativa o caçador deitou-se enquanto o tigre passava sobre a sua cabeça, caindo bem na frente de um dos carregadores. Pausa. Todos respiraram antes que viesse o desfecho. O pobre homem não teve tempo sequer de fazer um movimento, com uma certeira mordida o tigre arrancou-lhe a genitália e a devorou num piscar de olhos. Por falar em olhos, os olhos da moça estavam do tamanho de duas luas cheias. Num balbucio quase inaudível ela perguntou emocionada:
- O tigre comeu?
O tio respondeu afirmativamente. Sim, comeu!
Ela fez então a pergunta definitiva:
- Comeu com osso e tudo?
Nesse momento a família, os amigos, os empregados e os demais presentes se levantaram e aplaudiram o rapaz longamente.

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