Democracia em perigo

Fala o ex-ministro de Chávez que o acusa de tramar um golpe

Por Fabiano Maisonnave, na Folha desta segunda:

É quase diário o surgimento de acusações de golpe de Estado na Venezuela. Mas nenhuma provocou tanta repercussão nos últimos anos como a desferida pelo ex-ministro da Defesa Raúl Isaías Baduel contra o presidente Hugo Chávez, no meio de uma tensa campanha em torno do referendo sobre a reforma constitucional, em menos de duas semanas. Integrante do gabinete presidencial até julho, o general aposentado Baduel, 52, se transformou, no início do mês, num dos principais opositores do projeto de reforma constitucional de Chávez, que prevê a reeleição indefinida apenas para presidente, aumenta as atribuições do Executivo e traz benefícios sociais, como a redução da jornada de trabalho. Chamado de "traidor" por Chávez apesar dos mais de 25 anos de aliança, o protagonista do "Baduelazo" também é duro nas críticas. Sempre em tom calmo e com uma narrativa meticulosa, ele explicou à Folha na quinta-feira, em Caracas, por que considera a reforma um "golpe" e contou que perdeu a escolta pessoal em represália às suas declarações.

FOLHA - Por que o projeto de reforma constitucional é um golpe de Estado?

RAÚL ISAÍAS BADUEL - Sempre procurei ser muito prudente, muito comedido e não emitir opiniões ligeiras. Mas agora podemos qualificar com propriedade que essa mal chamada reforma é atentatória contra todos os princípios da Constituição. Fizemos essas considerações após a materialização da proposta de reforma, que modifica 20% do texto constitucional. Os Poderes Executivo e Legislativo confiscam, expropriam o Poder Constituinte originário, que está no povo, uma atribuição indelegável. Além disso, essa proposta fere o que está estabelecido no artigo 342 da Constituição, quando se assinala que a reforma constitucional tem por objetivo uma revisão parcial e a substituição de uma ou várias de duas normas, e aqui vem o ponto central: [lê o artigo] "que não modifiquem a estrutura e os princípios fundamentais do texto constitucional". Concluímos que se trata de uma fraude constituinte em curso e um golpe de Estado. Faço um paralelo com o ocorrido em abril de 2002, quando uma junta de fato usurpou o poder constituído na Venezuela, abrindo mão da Constituinte vigente em 1999. E agora também se abre mão do texto constitucional com a suposta intenção de melhorá-lo. Comete-se uma fraude constituinte porque não é uma revisão de algumas normas, e sim uma transformação do Estado. É um rumo diferentíssimo que tomará o Estado caso essa proposta se materialize. E isso não se pode fazer a não ser por intermédio de uma Assembléia Nacional Constituinte.

FOLHA - O sr. tem chamado a população a votar, mas, caso Chávez vença o referendo, quais seriam as ações legítimas contra o que o sr. considera um golpe de Estado?

BADUEL - Em princípio, qualquer que seja o resultado de 2 de dezembro, abre-se uma nova dinâmica política a todos os setores da sociedade venezuelana. Uma das tentativas de desqualificação é a de que me converti num porta-voz da oposição, mas a única arma democrática e cívica é dizer "não". Quais são as opções? [Uma delas é] A abstenção, que certamente apenas favorece que essa fraude constituinte em curso seja aprovada. Segundo o artigo 345 da Constituição, se uma pessoa votar e for pelo "sim", a reforma passa. Qual é a outra opção? São as ações de ruas, também reconhecidas no marco democrático. Mas já vimos aonde conduzem as ações de rua. Eu, como soldado formado profissionalmente na administração da violência legal e legítima do Estado, tenho inquietudes de que isso possa ser o início de um processo de violência generalizada, de confrontação e de instabilidade que em nada favorece nosso país. A opção mais perniciosa é a indiferença. A única válida, portanto, é o exercício da cidadania por meio do voto. (Assinante lê mais aqui)

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