Ubatuba em foco

A Cidade e suas Leis, para onde vamos? (I)

Arquiteto
Renato Nunes
Após a longa batalha que culminou com a aprovação do Plano Diretor, os moradores de Ubatuba agora têm que se preocupar com sua Lei de Uso do Solo. Se no Plano Diretor, documento que traça as diretrizes da participação conjunta do poder público e da comunidade na definição dos eixos econômicos, sociais e de qualidade de vida do município já tivemos um processo penoso de desgastes entre grupos e interesses, imagine-se as dificuldades que a cidade terá que superar para disciplinar o uso e a ocupação de simples terrenos, o patrimônio do cidadão e de sua família. É o mesmo que pôr a mão no bolso dos outros justificando que isso é necessário para o bem comum.

Mas, bem comum, o que é isso? O individuo abrir mão da possibilidade de implantar um negócio na sua casa ou no seu lote ou mesmo na calçada à sua frente, de construir um edifício, de ocupar a maior parte de um terreno e tantas outras limitações, tudo em nome do bem comum? De que adianta aceitar um zoneamento restritivo se a fiscalização oficial ou os interesses eleitorais não controlam as ocupações e usos irregulares?

Privilégio, tem sido esse, historicamente, o nome do planejamento urbano de Ubatuba. Portanto, discutir essa questão está na base dos estudos da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo e trata-se, acima de tudo, de uma questão de consciência individual e coletiva.

Para tratar de consciência individual e coletiva será necessário desmistificar logo de início valores que são descaradamente utilizados para confundir as opiniões das representações populares, cujas conclusões são apresentadas como desejo do povo e participação democrática. Por exemplo, a população que tem sido chamada a opinar em “reuniões técnicas” é reconhecidamente heterogênea cultural e economicamente. Possuem boa visão pessoal das carências pontuais de seus bairros, entretanto, votam com freqüência em questões conceituais e de fundo movidas pela bandeira de alguma liderança política esperta, ainda que tal voto seja um desastre coletivo para a cidade. Já vimos esse filme muitas vezes.

Outro exemplo, a magia das afirmações genéricas e sonoras de grande efeito intelectual, que anestesiam o raciocínio de plenários importantes onde os presentes não querem passar por idiotas se contestarem tão elevadas considerações.

Como um dos autores do Plano Diretor e do projeto de lei existente na Câmara Municipal sobre o uso do solo, e tendo vivenciado pacientemente esses cenários e contradições, sinto-me na obrigação de expor algumas reflexões que levaram a equipe de técnicos a formular uma lei moderna sobre a ocupação do solo urbano, renovadora na abordagem de problemas clássicos de zoneamento, de valorização das peculiaridades geográficas, sociais e de meio ambiente e ainda, de responsabilização civil e ética relativamente aos profissionais tecnicamente responsáveis pela construção das edificações que compõem o espaço urbano deste município.

O PL 106, o projeto de lei acima referido, está hoje no pelourinho das maquinações sobre o futuro do uso do solo, uma vez que a extensão e profundidade de seu estudo serviram de base para o Plano Diretor. Como houve muitas discussões públicas durante sua elaboração é importante refrescar a memória quanto a conceitos e esclarecer posições que ali foram tomadas. Sendo assunto amplo e básico para os destinos de Ubatuba, para não cansar os leitores farei os comentários em artigos separados, publicados com a regularidade que me for possível, e dentro do seguinte enfoque geral:

O objeto central da ação é o município, sua economia, saúde, transportes, a integralidade de seu desenvolvimento e qualidade de vida, sendo, portanto, o cidadão ubatubense a prioridade e não o Estado ou a União, a quem estão afetas, segundo a Constituição em vigor, apenas as diretrizes gerais no sentido de resguardar princípios e o patrimônio ambiental e natural de interesse nacional.

Lei de Uso do Solo – A proposta existente visa assegurar e materializar no território o objeto central da ação proposto no plano diretor. Para tanto:
  • Identifica e classifica os vetores econômicos característicos do município;
  • Submete a eles a administração municipal, proprietários de terra e áreas privilegiadas de interesse turístico;
  • Toma do Estado e da União a jurisdição sobre os trechos das rodovias absorvidos pela malha viária urbana;
  • Questiona o congelamento do Parque e os processos de licenciamento distantes do interesse econômico do município;
  • Introduz parâmetros de volumetria para nortear as edificações, diferentemente dos tradicionais índices de ocupação e aproveitamento do terreno, visando com isso assegurar a transparência, ventilação, a paisagem e a redução do adensamento ocupacional;
  • Interpreta o território segundo quatro grandes áreas – Penínsulas, Orla, Sertões e Sede Municipal, e através do zoneamento localiza pontualmente os usos em função de suas peculiaridades.
  • Introduz parâmetros de Responsabilidade do Exercício Profissional visando simplificar procedimentos de aprovação de projetos, de fiscalização das obras, atribuindo ao profissional que obrigatoriamente assina as plantas, nos termos da lei federal, a responsabilidade civil sobre as trangressões às normas de ocupação, de segurança e de saneamento da edificação.
  • Segundo a Constituição Federal, cabem à União ou ao Estado o domínio de amplas áreas municipais, porém seu uso cabe ao município definir. Nesse sentido, nos termos da lei estadual de Gerenciamento Costeiro e demais dispositivos legais, Estatuto da Cidade inclusive, os planos e ações do Estado e da União subordinam-se aos Planos Diretores e Leis de Uso do Solo dos Municípios. Como não se trata de promover confrontos entre instâncias administrativas, jurídicas ou técnicas, criou-se na lei do Plano Diretor a instância da Gestão Compartilhada que envolverá o Estado, a União e a Cidade, destinada a definir os critérios de licenciamento e usos nas áreas situadas no território municipal, visando assim preservar-se o atual ordenamento jurídico sem prejudicar os interesses econômicos e sociais do município.

Essa tarefa, sem dúvida, requer o amadurecimento da consciência individual e coletiva dos representantes do poder público e da nossa população.
renatonunesarq@terra.com.br

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