Coluna do Mirisola

O que faz Latino na Rolling Stone?

"Aí me aproximei da banca e vi que não era o Latino. Mas o Mano Brown. Tava explicado. A revista continua rompendo paradigmas, ela ainda chega ao Latino"

Marcelo Mirisola*

Ué? O que o Latino está fazendo na capa da Rolling Stone? Depois do NXZero, a edição brasileira conseguiu se superar. Isso que é ousadia, pensei.

Aí me aproximei da banca e vi que não era o Latino. Mas o Mano Brown. Tava explicado.

A revista continua rompendo paradigmas, ela ainda chega ao Latino. Espero que passe pela Kelly Key. Enfim, como não queria falar no Papai Noel nesta semana, comprei a revista.

E pela terceira vez digo, “não disse?”. O títere do desespero, Mano Brown, agora é garoto propaganda da Nike assumido. Depois de muitas especulações e vaivens, assinou contratinho com o capeta, conforme eu havia escrito aqui numa crônica de 27/10/2008.

Mano Brown se vendeu mesmo, arregaçou as pregas da alminha. Não tem volta, agora as viúvas do Che Guevara do Jardim Ângela vão ter de arrumar outro revolucionário furioso. Latino é a bola da vez, ouçam o que eu digo. O consultor de moda e o salão de beleza de ambos devem ser os mesmos – porque no mês de dezembro temos que acreditar em alguma coisa: pode ser na manicure do Mano Brown, na revista Rolling Stone ou no Papai Noel.

Mano Brown faz parte de um seleto grupo que fez história e foi capa da revista descolada e cheia de atitude (um minuto só, não estou aguentando de tanto rir)... ou seja, agora, ele joga no time da Ivete Sangalo, do Fausto Silva e dos meninos peladinhos do NX Zero.

Imagino o maquiador passando pó-de-arroz e dizendo para o Che do Jardim Ângela relaxar e fazer cara de mau.

Vocês viram o crucifixo de prata no peito sarado? Não ficou super sexy? Ele foi evangélico, macumbeiro e agora é apenas um empresário que atua no ramo das rimas e que se acha um sábio porque descobriu Roberto Carlos o ano passado. Mas o bigodinho continua o mesmo. A treta é a seguinte: o cara pode se alimentar de ódio e perder a dignidade e tudo nessa vida, menos as rimas e o bigodinho. Cada um se engana e se vende pro capeta que o mereça, e que o carregue.

Às vezes o empresário das rimas transforma-se num vendedor de título de clube de campo: “Eles querem que eu faça uma ponte com a juventude para aliar esporte, música e a marca”. Chega a ser constrangedor o processo de emburrecimento a que nos submetemos para decifrar a esfinge do Jd. Ângela. Quando não existe esfinge alguma. Apenas um ursinho de pelúcia fazendo cara de mau. Sinceramente, eu não consigo engolir esse tatibitate-telemaketing: “Eles” quem? O patrãozinho, Brown?

Que vergonha. Logo o cara que sempre vociferou contra os playboys. Que se indignava porque a mãe lavava a cueca suja dos branquelos.

A diferença – imagino - é que ela se humilhava para sustentá-lo, e talvez fizesse o serviço sujo com amor, e o filho, Pedro Paulo, ou Mano Brown, “faz a ponte” (leia-se chafurda na sujeira) porque é igual ou pior que “Eles”.

Querem me vender isso como “revolução”? Pra mim, tem outro nome: mentira. Nem Mano Brown, nem os seus gorilas ilustrados que frequentam o Frevinho da Oscar Freire jamais me enganaram. Perdi a conta dos xingamentos e ameaças que recebi quando disse – na ocasião da entrevista que ele deu para a Folha de S. Paulo, no dia da Consciência Negra, em novembro de 2006 - que Brown, antes de qualquer coisa, era um racista, depois um conservador e careta e, o mais paradoxal, leão de chácara dos playboys que ele tanto detestava.

Na ocasião, manos do colégio Equipe e minas enfezadas da galeria Ouro Fino ficaram chocados. Disseram que eu precisava sair da minha quitinete de marfim, me acusaram de ser filhinho de mamãe. Essa mesma gente – vejam só -, que vende a alma pro primeiro banqueiro lírico que aparece, me acusa de não conhecer a realidade da periferia. Tá bom. Que façam os seus haicais a 15% ao mês e não me encham o saco.

Cambada de hipócritas. Entre uma infinidade de baixarias, Paulo Markun, à época presidente da Fundação Padre Anchieta, editou a pergunta que fiz ao revolucionário do Jd. Ângela no programa Roda Viva. Até hoje não sei por que “preto tem que pensar como preto”. Perdi a conta das deslealdades, boicotes e escanteios a que fui submetido por conta dessa fraude – agora consumada - chamada Mano Brown.

Tô aqui matutando:

No começo dos Racionais, confesso, até que eu nutria uma distante afinidade com o grupo. Os caras eram arredios, não davam entrevista e tal. Tinham aquilo que se convencionou chamar de “atitude”, vá lá. Mas havia – desde sempre - algo de errado com o bigodinho e a cara feia e as famigeradas rimas. Não dá pra conceber uma revolução social com letras que dizem coisas do tipo “criança é o futuro e a esperança/não tem ódio nem ganância” (A vida é um desafio). Essa música faz parte do álbum “Nada como um dia após o outro” de 2002. Consta que é a fase mais radical dos Racionais Mc’s.

Se minha sobrinha, que tem três anos de idade e é uma criança normal e feliz, e que, portanto, carrega um bocado de maldade dentro do coração, me ouvisse resmungando um treco desses, ela – no mínimo – escarneceria da minha falta de ambição psicomotora. No mínimo, mano, tá ligado? Depois, veio a entrevista do Mano Brown para a Folha de S. Paulo, em 2006, que foi a gota d’água.

Eu me pergunto: por que acanalhar a coisa? Precisa “disponibilizar” o trabalho no site da Nike? Precisa vender as pregas da alma para ser alguém no Brasil de hoje? Ainda que frequentem o mesmo salão de beleza, o Latino jamais vai ser um Mano Brown, por que o Brown tem que virar um Latino?

Vejam bem, se o filho do Mário Garnero me dissesse “quero que o barato venha, que a gente consiga organizar e que funcione por muito tempo. Esse é o termo do momento mundial: ‘sustentabilidade’". Bem, se fosse o caso de o “filho do patrão” que o Brown tanto detesta, se um mauricinho desses viesse com esse discursinho interativo, babaca , bovinamente conformista, politicamente correto e eminentemente financista pro meu lado, eu iria ouvi-lo e, de repente – para salvar o planeta - até abriria uma caderneta de poupança do banco dele.

Agora, o cara que é “a voz” da resistência, o Che do Jardim Ângela... vem com um papinho desses... pro meu lado? “Aliar esporte, música e a marca”? Que merda é essa?

Tá parecendo um outro “rapper e escritor” – especialista em amedrontar plateias de madames deslumbradas - que tem um poema do Arnaldo Antunes tatuado no antebraço. Na maior cara de pau, diz que essa porcaria salvou a vida dele.Esse manos “tão me tirando”, faz tempo. Mas eu continuo o mesmo, como os leitores do Congresso em Foco podem perceber, continuo o mesmo cara que não consegue ficar quieto no seu canto e dizer “e aí, mano, amém?”.

E o Mano Brown também não mudou nada: a diferença é que a carranca dele, daqui pra frente, só vai enganar a Mônica Bergamo, os editores da Caros Amigos, digo, Rolling Stone, e uma meia dúzia de fofoqueiros & fascistas (ou serão stalinistas?) que – aposto – voltarão a me acusar de ser branco, burguês quaquaquá e de não conhecer a realidade dos manos da periferia.

Querem saber de uma coisa? Não preciso ir à periferia (nem ao Shopping Iguatemi) para conhecer a realidade da alma humana, que não tem CEP, é podre e se corrompe em qualquer lugar do planeta. Beijos no coração.

PS - O Memórias da Sauna Finlandesa (editora 34) tem 176 páginas e – se não me falha a memória – nenhuma rima. Já está à venda em todas as boas lojas do ramo. Quem quiser mais informações, basta entrar no site.

Não precisei vender minha alma para escrevê-lo. Um feliz natal e um ótimo 2010 pra todos.PS2 - Conversa de taxista: nem sei se a Constituição permite, mas eu não sou surdo. Num engarrafamento perto do Maracanã, o motorista me sai com essa: “No meio do ano que vem, Lula renuncia e se candidata como vice de Dilma”.

Se for possível, as discussões todas - até 2018 - estão encerradas.

*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

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