Coluna da Sexta-feira

Pretinho

Celso de Almeida Jr.
Não, prezado leitor, querida leitora. Não corro o risco de amargar algum processo por discriminação racial, demanda atraente para bacharel novo, em abundância nessas terras.
Na menor possibilidade, eu, gato escaldado, alteraria o título para Afrodescendentinho e findaria as esperanças indenizatórias.
O preto a que me refiro não passa de um paninho. Um colete, melhor dizendo, nos moldes dos funcionários da Zona Azul, premiados com o amarelo canário.
A turma que pretendo vestir viria de preto urubu.
Talvez eu recomende dois acessórios, que já flagrei em alguns canarinhos displicentes: chinelão e óculos espelhados. O kit permitiria o impacto necessário à aspereza da tarefa.
Qual tarefa?
Falhei no preâmbulo. Explico.
Confesse. Nós, praianos de bom coração, ficamos ou não ficamos sensibilizados com a sincera lembrança da nossa existência, por distantes parentes queridos, nesta época do ano?
Assim, comovidos, recebemos de braços abertos essa gente de sangue bom, simpática, que, por tempo determinado irá compartilhar a nossa garagem, nossos chuveiros, vasos sanitários, panelas, telefone, colchões, cadeiras e outras miudezas que a grandeza de espírito dispensa revelar.
Avanço agora, na idéia, esclarecendo a tarefa. Um de meus pretinhos, batendo palmas em casa lotada de aparentados, promovendo a contagem física dos excedentes e, instantaneamente, emitindo uma guia: casa número tal, da rua qual, com 8 agregados temporários, R$5 por dia, por cabeça.
Estaria fundada a Zona Roxa, instituição de controle quase soviético.
O roxo inspira-se em apenso masculino, exclusivo de homens de fibra, como deverão ser os pretinhos. Afinal, imagine a reação do acomodado veranista quando receber a guia para recolhimento bancário da inusitada taxa. A zona dispensa explicação. Visite-me num dia desses e descubra o porquê da escolha.
Tenho grande esperança de que meus hóspedes não leiam o Ubatuba Víbora. A quase certeza vem da convicção de que o interesse deles resume-se ao sol, as águas e as areias. Essa franqueza que jorro no teclado não aparece no cotidiano. Dissimulo-a ao máximo, dada a economia de saliva e a língua presa que me cansa argumentar.
Assim, é claro que a estréia desse esquadrão começaria por residência que bem conheço. Nesse dia, simulando surpresa, inescrupulosamente malharia o prefeito por atitude tão arbitrária e inconstitucional. Recomendaria, porém, o imediato recolhimento das taxas, poupando-me de transtornos tributários.
Sonho até, num dia distante, merecer o título de Cidadão Ubatubense, pela fortuna que a idéia agregará ao erário.
Quanto aos pretinhos, aos amarelinhos, aos marronzinhos, ficarão os agradecimentos pela paciência, as desculpas pelo pouco zelo e o pedido de que continuem botando fé nas boas intenções de quem os inventou.

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