Coluna de Domingo

A Constituição Cidadã e a mídia

Rui Grilo
De várias maneiras e em muitos lugares e espaços está se comemorando vinte anos da atual Constituição, chamada de “Cidadã” porque houve uma intensa mobilização dos movimentos sociais com o objetivo de assegurar e ampliar direitos e melhores condições de vida.

No entanto, várias pessoas que tiveram uma grande atuação são unânimes em afirmar que um dos temas em que esses avanços ficaram prejudicados é na área da comunicação devido ao intenso lobby dos detentores das concessões, sendo grande parte deles parlamentares e membros do executivo. Até há pouco tempo nem se sabia quem realmente detinha as concessões.

As normas que regulam os principais direitos e deveres na área da comunicação estão em vigor há mais de quarenta e cinco anos, sendo, portanto, anteriores à Constituição de 88, mesmo tratando de uma das áreas em que as mudanças tecnológicas são mais rápidas. Enquanto no Brasil as concessões são revistas de quinze em quinze anos, na Inglaterra a população é consultada sempre que há alguma mudança, e nos Estados Unidos as concessões são revistas de cinco em cinco anos.

Neste ano, em que vencem as principais concessões, pouco se falou ou se divulgou sobre essas questões e o Conselho de Comunicação Social há mais de dois anos que não se reúne e sempre se boicotou a discussão e votação da regulamentação. A deputada Jandira Feghali, desde 2001 tentou inutilmente colocar em discussão. Cerca de 400 projetos foram apresentados mas não foram votados. Mas mesmo as normas que não exigem regulamentação não são respeitadas.

Embora a lei restrinja a 25% o total de tempo para a propaganda, vários canais são arrendados até vinte e três horas por dia, não só para propaganda mas também para a venda de produtos. Ana Olmos, psicanalista e pesquisadora da influência da tv sobre o comportamento humano, relatou no programa VER TV (TV Câmara, 27/12/08) que, em uma audiência pública, um dos representantes da indústria de brinquedos afirmou que a maior vendedora era a apresentadora de programas infantis Eliana. Essa prática contraria o Art. 227 da Constituição, cujo teor é o seguinte:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

Neste caso não só é uma exploração como uma violência pois se aproveita do fato da criança, pelo estágio de desenvolvimento em que se encontra, não poder se defender e reagir criticamente às mensagens veiculadas. Além disso, as emissoras de tv que recebem a concessão do Estado não podem sublocar esse veículo sendo totalmente responsáveis pelo conteúdo veiculado.

Também viola o Artigo 76 do Estatuto da Criança e do Adolescente que prescreve o seguinte:

“As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.”

“O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, ao proibir a publicidade abusiva, repudia a mensagem publicitária que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança. O artigo 36 indica que toda e qualquer publicidade deve ser facilmente identificada como tal, proibindo a publicidade mascarada, subliminar ou que não se apresente como publicidade. Como, na maioria das vezes, as crianças não entendem a mensagem publicitária como tal, esse é mais um motivo que caracteriza sua ilegalidade. “ *

Evidentemente se percebe que grande parte dos programas infantis da tv comercial são usados para a venda e divulgação intensiva de produtos que contribuem para o desenvolvimento de problemas tanto físicos como psíquicos.

De acordo com o estudo "Kids Power", da TNS, 83% das crianças brasileiras são influenciadas pela publicidade, 72% por produtos associados a personagens famosos. De acordo com o Painel Nacional de Televisores do Ibope 2007, a criança brasileira, entre quatro e 11 anos, passa, em média, 4 horas, 50 minutos e 11 segundos por dia em frente à telinha. Em média, 85,50% das crianças entre 6 e 12 anos assistem à tevê diariamente, segundo a pesquisa da Kiddo's Brasil 2006. Dessas, 90% dizem que gostam muito de assistir à programação televisiva, e 77% afirmam que ficam o tempo que desejam em frente aos televisores. *

O Artigo 221 ordena: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I- preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;”

Portanto, se as emissoras obedecessem o que prescreve a Constituição, nossos resultados educacionais não seriam tão trágicos.

Isso não significa tirar a responsabilidade da escola, mas como se viu acima, além de não ter todos os recursos que a tv possui, o tempo que a criança dedica à tv é muito maior. É um tempo em que ela é atraída e não obrigada e que depende de sua vontade, mas cujo conteúdo é selecionado para atender os interesse do capital.
*(Fonte: Projeto Criança e Consumo)
Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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