Rádio

Ondas Curtas

Ontem experimentei ouvir rádio em ondas curtas, como fazia quando era adolescente e passava férias no litoral. Naquela época eu era de esquerda e procurava as verdades da Voz de Pequim ou da Voz de Moscou. A rádio da China era mais interessante, mais viva. Com a revolução cultural em plena efervescência os dinossauros políticos tinham sido removidos e em seu lugar estava a guarda revolucionária. O editor chefe tinha quinze anos e o editor de internacional, mais experiente, dezessete. O melhor programa era dedicado aos milagres decorrentes da leitura do livrinho vermelho do camarada Mao. Curava tudo, era mais eficiente do que urodonal, que tornava a vida contente. Anos depois comprei um exemplar autêntico do livrinho. Em Berlim, na feirinha ao lado do checkpoint Charlie. Demorou muito até que eu notasse que era falso, made in Taiwan. Talvez seja por isso que não tenha poderes curativos. Ou por falha minha, não sei chinês. Voltando ao rádio, tirei o pó do velho Transglobe e o liguei, com a remota esperança de ouvir a Mundial ou a Eldorado de 1968, que com o patrocínio do Esplanada e do Regente da Chrysler informavam as noticias. O velho e alquebrado aparelho funcionou como no dia em que saiu da Três Leões, comprado à prestação. Consegui sintonizar uma rádio do Casaquistão. Estava transmitindo a final do campeonato juvenil de xadrez. Partida emocionante, depois de três horas o desafiante Turgul Pack fez o roque maior, provocando murmúrios na platéia, acho até que pareciam tiros, mas devo ter me enganado. Com sono desliguei a máquina e fui dormir com a rádio Mundial na cabeça. Será que um dia eu sentirei algum tipo de emoção parecida? (Sidney Borges)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu