Jogando pesado

Tensão no Cindacta-1: a crise se instala

Um dos controladores amotinados relata o que houve sexta-feira

Tânia Monteiro, BRASÍLIA
Reuniões tensas, motim, ameaça de prisão, caos nos aeroportos. Foi assim a sexta-feira do apagão. Um dos controladores de tráfego aéreo do Cindacta-1, centro de controle de Brasília, envolvidos com o movimento que paralisou os aeroportos de todo o País contou ao Estado sua versão do que aconteceu no dia da maior crise vivida pelo sistema aéreo no Brasil.


11 HORAS
Militares e sargentos controladores participam da cerimônia do Dia do Meteorologista na Base Aérea de Brasília. Depois da solenidade, controladores decidem ficar no Cindacta-1, como combinado, para desencadear a greve de fome.

12 HORAS
Um grupo de 60 a70 sargentos controladores inicia greve de fome e se instala nas salas de descanso e TV do Cindacta-1.

15 HORAS
Sargentos que estavam trabalhando encerram seu turno e não vão embora para casa, aumentando o número de amotinados, ainda pacíficos, no Cindacta-1. Neste momento, já eram cerca de 120 sargentos.

15H40
Reunião convocada no auditório com o comandante do Cindacta, Carlos Aquino. O coronel fala durante meia hora. Começa muito nervoso, mas manso, dizendo que está ali para ajudar a resolver os problemas da categoria. Pede que os sargentos se pronunciem sobre o que está acontecendo. Silêncio no auditório.

16 HORAS
O coronel Aquino encerra sua palestra avisando que a reunião de muitos militares no quartel constitui motim e que não hesitaria em aplicar o regulamento disciplinar.

17 HORAS
Controladores se reúnem para decidir o que fazer e muitos falam. Um deles faz um apelo emocionado, dizendo que está há mais de 20 anos na FAB e nunca viu um movimento parecido, que era a hora de resolverem antigos problemas: “Estou vendo um ponto. É nele que vou me guiar, independente de A, B ou C me seguir. Chegou a hora. Faço um apelo: os que estão sem coragem que venham, porque o que está ali, depois daquele ponto é uma realização.”

17H30
Outro controlador avisa na reunião que eles já incorreram em crimes e que era melhor suspender a greve de fome e partir para uma ação definitiva, de parar o sistema, porque o coronel já havia ameaçado com punição. Lembra ainda que, se ocorrer um novo acidente, o controlador será responsabilizado. Num primeiro instante, decidem manter a greve e esperar o sistema apresentar problemas só no sábado.

18 HORAS
Doze controladores se reúnem, fazem um balanço dos últimos acontecimentos, verificam que está tudo normal no tráfego e ouvem o pronunciamento do ministro da Defesa, Waldir Pires. Relembram a ameaça do comandante sobre motim e decidem que parar naquela hora ou no dia seguinte seria igual, em termos de punição, então era melhor começar logo. Fizeram uma meia votação e decidiram: “É agora.”

18H44
Todos os controladores entram na sala de operação do tráfego aéreo civil determinando a suspensão dos vôos, dando ordem de não decolar mais nenhum. Fazem as filmagens em celulares para mandar para uma emissora de TV.

18H50
Controladores ligam para torres de controle de todo o País para repassar a mesma ordem: parar o sistema.

19H10
O coronel Aquino chega à sala para convocar os quatro mais antigos de cada setor (Rio, São Paulo e Brasília) para conversar com o brigadeiro Ramon Borges Cardoso, chefe do Decea.

Cel. Aquino: “Quero que os quatro mais antigos de cada setor se apresentem e venham comigo. É só uma conversa com o brigadeiro”.

Os controladores ficam em silêncio e ninguém se apresenta.

Cel. Aquino: “Estou dizendo que quero que os quatro mais antigos de cada setor se apresentem e venham se reunir com o brigadeiro”.

Controlador (um dos novos): “Com todo o respeito, mas queremos todos ficar juntos”.

Cel. Aquino (voz alterada): “Eu quero falar com os quatro mais antigos. Câmbio (no jargão militar, quer dizer ‘chega de conversa’)”.

Controlador: “Mas é que a gente prefere solicitar que o brigadeiro venha aqui”.

Cel. Aquino: “Estou me dirigindo aos mais antigos e disse que eles vão me acompanhar”.

Outro controlador: “Com todo o respeito, comandante, eles não vão, eles vão ficar conosco”.

Cel. Aquino: “Quer dizer que eles não vão”?

Controladores (vários): “Não”.

Cel. Aquino: “Não vão mesmo”?

Controladores: “Não”.

Os controladores exigem a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, para conversar ou algum ministro do primeiro escalão.

20H45Comandante do Cindacta e diretor do Decea conversam com o brigadeiro Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, sobre o ocorrido. O comandante Saito decide se dirigir para o Cindacta para dar voz de prisão para 18 amotinados.

21 HORAS
O sistema está totalmente paralisado. O comandante Saito recebe ligação do chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, determinando que voltasse ao Planalto porque o presidente não queria prisões, mas negociação, e convoca para reunião do gabinete de crise.

22 HORAS
O gabinete de crise decide que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, vai para o Cindacta com Erenice Guerra, secretaria executiva da Casa Civil, para conversar com os controladores, mas antes passam na Base Aérea para falar com o presidente em exercício José Alencar, que voltava de Belo Horizonte.

22H40
Reunião na Base Aérea.

22H50
Paulo Bernardo e Erenice chegam ao Cindacta e os integrantes do Alto Comando Militar decidem deixar o local inconformados com o fato de um ministro civil ter assumido as negociações.

23 HORAS
Os controladores se reúnem com Paulo Bernardo e Erenice Guerra na sala da ACC, centro de controle de área, onde ficam os radares, e começam a discutir. Paulo Bernardo é duro no início e os controladores exigem um papel com garantias de que não serão punidos e compromisso com a desmilitarização.

Controlador: “Há anos que a gente fala. E há anos que falam que vão mudar. E não mudam”.

Paulo Bernardo: “Espera aí. Vamos conversar direito”.

Erenice Guerra: “Nós nunca viemos aqui antes para prometer absolutamente nada para vocês. Então, para essa relação ficar qualificada não pode partir dessa premissa”.

Controlador: “Estamos cansados de promessas. A gente tem de desconfiar, sim. Os nossos anseios estão engavetados. Os estudos nunca acabam. Não houve nada de concreto até hoje”.(Paulo Bernardo sugere com um gesto que Erenice, que está exaltada, se acalme.)

Paulo Bernardo: “Calma, vamos conversar com um grupo menor, que fica mais fácil”.
Saem, então, para a reunião menor, onde foi elaborada a minuta de negociação.

00H20
Anunciado o fechamento do acordo e controladores voltam a trabalhar. O porta-voz da Presidência, Franklin Martins, anuncia, no Palácio do Planalto, os termos da minuta de negociação.

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