Opinião

A repetição de um velho ardil

O Estado de S.Paulo - Editorial
Só dogmatismo e/ou a má-fé justificam o argumento de que a privatização de empresa estatal ou de economia mista é um mal em si mesma e, portanto, condenável de qualquer ponto de vista. Dogmáticos são os radicais de esquerda incapazes de esquecer ou de aprender. De má-fé agem os oportunistas diretamente interessados no projeto de perpetuação do poder lulo-petista. Uns e outros se associam na campanha eleitoral de Dilma Rousseff para demonizar José Serra como o responsável, pretérito e futuro, por esse monstruoso atentado contra os interesses do povo brasileiro: a privatização. É natural que o lulo-petismo lance mão desse argumento cínico e maniqueísta na tentativa de evitar que a candidatura Dilma repita neste segundo turno o desempenho para eles decepcionante que teve no primeiro. Deu certo quatro anos atrás, quando o então candidato oposicionista, Geraldo Alckmin, enroscou-se todo no mesmo ardil e conseguiu a proeza de ter no segundo turno cerca de 2,5 milhões de votos a menos do que no primeiro.

É de esperar que os tucanos tenham aprendido a lição. Afinal, argumentos não lhes faltam. O governo Fernando Henrique foi um dos responsáveis pela definição dos fundamentos da política econômico-social que, aprimorada e aprofundada por seu sucessor, resultou no Brasil inegavelmente melhor em que hoje vivemos. E o processo de desestatização, intensificado nas administrações Itamar Franco e Fernando Henrique, abrangendo os setores siderúrgico, de mineração, da indústria aeronáutica e, de modo muito especial, os serviços bancários e as telecomunicações, foi peça essencial para consolidar a base dos avanços nos últimos 15 anos.

A dicotomia estatização/desestatização frequentou a agenda política quando a polarização comunismo/capitalismo dominava o mundo, durante a maior parte do século 20. Com a falência do modelo comunista e a consequente desmoralização do mito da infalibilidade do Estado, a questão, do ponto de vista do interesse público, passou a ser, objetivamente, quais empresas devem permanecer sob o controle, direto ou indireto, do poder público e quais ficam melhor sob a administração privada. Assim, é óbvio que em muitos casos a desestatização ou privatização de empresas e serviços pode perfeitamente atender ao interesse público. Foi o que ocorreu no Brasil com a privatização das empresas de telecomunicações, que, para citar apenas seus efeitos mais visíveis, permitiu o acesso de toda a população economicamente ativa ao telefone celular e à banda larga. E há, por outro lado, casos como o de empresas estrategicamente essenciais à segurança ou ao desenvolvimento nacional, em que o interesse público poderá estar melhor preservado com a administração estatal.

Certamente esta não é uma questão de fácil entendimento pelo cidadão comum. Mas tentar reduzir a opção estatização/privatização à dicotomia maniqueísta do bem contra o mal é, para dizer o mínimo, desonesto. Uma campanha eleitoral deve esclarecer as pessoas sobre os problemas e soluções em relação aos quais elas devem se manifestar com seu voto, e não confundi-las e valer-se da falta de informação em proveito próprio.

Foi o que Dilma Rousseff tentou fazer no debate da Rede Bandeirantes, obedecendo à nova estratégia de sua campanha: partir para o ataque, a qualquer custo. E valeu-se para tanto daquele que o governo petista apresenta como um de seus maiores trunfos em termos da prosperidade futura do País: a exploração do pré-sal, "uma riqueza do povo brasileiro para garantir que a gente combata a pobreza e crie educação de qualidade". Segundo a candidata, "assessores" de Serra defendem a privatização do pré-sal. Ela se referiu explicitamente ao tucano David Zylbersztajn, que foi presidente da Agência Nacional do Petróleo no governo FHC, mas nunca assessorou José Serra. Ele classificou a acusação como "delírio" e explicou que o que defendeu foi o regime de concessão, estabelecido inicialmente pelo governo, contra o regime de partilha que o governo quer agora que prevaleça.

E justificou sua atitude: "(...) acho que, qualquer que seja o governo, ter uma estatal comprando e vendendo petróleo é uma janela para a corrupção." Bem lembrado.

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Comentários

Saulo Gil disse…
O Estadão dá mais uma aula de desinformação em seus editoriais. Primeiramente não cita sequer de raspão os valores (na opinião geral, irrisórios) obtidos com as dezenas de privatizações e, pior, não questiona onde e como essa verba pública foi utilizada e porque não desviada, afinal, a imprensa apóia de forma escancarada o PSDB e não iria realizar tais matérias investigativas (isso apenas contra o PT e Lula). Além disso, o texto também não explica como o Brasil se tornou um país "inegavelmente melhor", com uma política de privatização totalmente oposta a utilizada nos tempos de FHC. Também é de se estranhar um Jornal defender honestidade e esclarecimento da campanha eleitoral, quando o mesmo veículo demite colunistas com idéias opostas. Para encerrar a análise sobre o menos que medíocre texto acima, o Jornal tem a pachorra de sugerir que a Petrobrás pode ser fonte de corrupção, mas, não tem a honestidade de elaborar matérias sobre a Sabesp, empresa mista que anuncia no periódico. Só daqui do meu humilde escritório, elaborei duas notícias com manchetes: "Empresa que doou à Alckmin em 2002 já vendeu cerca de 80 milhões de reais em produtos à Sabesp" e a mais local, "Sabesp arrecada 20 milhões por ano em Ubatuba e diz gastar mais de 7 milhões com apenas 82 funcionários".
São assuntos que deveriam ser esclarecidos, como sugere o editorial, pelos principais veículos de comunicação do Estado onde essa empresa atua. No entanto, o que vemos é a continuidade do golpismo e alienação desonesta promovida por seus fomentadores de plantão.
sidney borges disse…
Faça um favor aos leitores. Explique como as privatizações tucanas prejudicaram o país e as privatizações petistas ajudaram. Você parece conhecer detalhes, noto em seus textos o domínio da verdade. Queremos detalhes, planilhas. Eu também gostaria de saber se todos os petistas amam os pobres. Você afirma que os tucanos os odeiam, mas como brilhante analista e profundo conhecedor de filosofia, você sabe que se pelo menos um tucano amar um único pobre que seja a generalização perde o sentido. Amar é nunca ter de pedir perdão, tá lembrado, é do filme Love Story que lembra o idílio petista com os pobres que você tanto propala. Coisa digna de Jesus!Um parenteses, explique o jato Falcon que José Dirceu - ama os pobres como ninguém - usa com exclusividade. Quem paga? Teria sido recompensa divina pelo amor aos pobres? E a empresa do Lulinha? Também foi obra de Deus? Também pelo amor aos pobres? De onde você tirou a idéia - que repete como um mantra védico - de que o país tornou-se inegavelmente melhor no governo petista? A ONU (tucana?) diz o contrário, o Índice de Desenvolvimento Humano no governo FHC foi superior. Para melhorar o debate sugiro que você releia, pois óbviamente você já leu Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda, Leo Huberman e Edmund Wilson. Não vai alterar os lucros do Bradesco, mas vai ajudar a não acreditar na carochinha.
Saulo Gil disse…
Por partes, como diria o velho Jack e novamente esperando que o embate não interfira em nossa relação pessoal, pela qual tenho grande admiração e respeito.
Primeiramente, não sou eu que tenho de dizer quais e porque as privatizações foram realizadas de melhor maneira. Só opinei que seria esclarecedor, como prega o Jornal parceiro do seu blog, que ao falar das privatizações no Governo FHC fossem citados valores (irrisórios lembrando). Ainda nessa linha, também me causa estranheza que nunca o povo Brasileiro soube de fato pra onde foi essa dinheirama e, o pior, nunca nem tivemos notícia de investigação dessas operações com bens públicos. Sobre a idéia de um país inegavelmente melhor, eu a retirei do próprio texto que vc publicou e do próprio Jornal que é parceiro de seu blog, porém, infelizmente, não atua de maneira tão democrática como vc caro amigo. "no Brasil inegavelmente melhor em que hoje vivemos".
Quanto ao amor aos pobres, sei que não é apropriada a generalização, mas só estou copiando uma das ferramentas da tática golpista. No entanto, pelos meus poucos 10 anos de jornalismo e pela minha rasa experiência adquirida nos meus 27 anos de vida, ouso dizer que acredito que exista sim autoridades (não necessariamente públicas, porém, autoridades) que desejam sim manter o Brasil em uma espécie de sociedade de castas. É de interesse econômico para alguns grupos que a desigualdade social no país não seja prioridade estatal de gestão. Poderia, mesmo sem ler todos os autores que me sugeriu (digamos que li menos da metade, mas li), explanar ao longo de mil linhas nesse blog, os motivos pelos quais essas autoridades se interessam por um modelo completamente diferente do instituído em âmbito Federal há 8 anos. Porém, para que a conversa não fique abaixo do seu nível, procurarei ler as obras sugeridas para tornar pública minha manifestação.
Sobre os números da ONU, parece que os oficiais brasileiros só fazem referência até 2001, ano que Lula não tinha ainda assumido.
sidney borges disse…
O debate começou melhorar. Acredito que haja quem prefira uma sociedade de castas, há de tudo no mundo, mas os que assim pensam não têm relevância. O jogo do capital é o lucro, com mais gente chegando ao universo do consumo, mais lucro. Note que a "burguesia" não é ideológica e isso inclui pobres e ricos pois os valores burgueses transcendem a condição econômica. Como estou no planeta há muito tempo, conheço muita gente e não há entre meus amigos e conhecidos - amostragem respeitável - clima para golpes. As "invenções" do "Paco Maluco" (PHA) e outros jornalistas de mesmo calibre são artifícios de espertos. Ganham fortunas criando clima de enfrentamento. A prática não beneficia a ninguém, ganham eles, perde o Brasil. Lula também costuma dircursar jogando brasileiros contra brasileiros, mas Lula é político e usa esse artifício para aplacar a militância petista que imagina haver um horizonte revolucionário no porvir. Na prática Lula governou de forma responsável e habilidosa. Certamente a capacidade dele de juntar extremos fará falta, tanto Dilma como Serra não têm esse jogo de cintura, típico de sindicalistas.
Sobre o Estadão, tenho apreço em certos momentos e sentimento oposto em outros. Mas a família Mesquita me agrada. Lembro-me de um episódio marcante. Wlado Herzog tinha sido assassinado pela repressão e Fernando Morais era procurado. Rui Mesquita, que parte da militãncia petista classifica como burguês direitista e xenófobo, na prática um liberal, procurou Fernando, que já não trabalhava no JT nem no Estadão e ofereceu-se para ir junto ao DOI-CODI acompanhar o depoimento. Uma atitude nobre e cavalheiresca de um jornalista para outro jornalista, quem viveu aqueles dias sabe como agia a repressão e o significado do ato de coragem de Rui Mesquita. Quanto ao fato de estarmos vivendo dias melhores, dou a Lula os parabéns, mas só quem é ingênuo acredita que ele é o responsável por tudo de bom que acontece. Os fundamentos da economia foram criados no governo FHC e até hoje são geridos por gente do "ninho". Henrique Meirelles fez parte do acordo de 2002 selado ente Lula e o "Mercado" e que deu passe livre à eleição do barbudo. Deu certo, os aloprados queriam mudar tudo, Lula manteve a palavra e hoje é dono da maior popularidade que um presidente já teve. Quem nasceu virado pra Lua sempre recebe apois dos deuses, a conjuntura internacional favoreceu amplamente o Brasil. Com a deterioração dos mercados estrangeiros, americano e europeu principalmente, colocar dinheiro aqui é o que há. Pagamos 6,25% ao ano fora a inflação. Nos Estados Unidos a taxa é de 1,25%. Se eu fosse capitalista aplicaria no Brasil.
Saulo Gil disse…
Nas crises (ou ajustes capitalistas como alguns preferem)da década de 90, o Brasil pagava quase 20% e os investidores eram raros. A não ser quando FH anunciava mais uma promoção/liquidação de empresa pública. Aí surgiam mercadores de todo planeta.
sidney borges disse…
Você afirmou, agora cabe provar. Mostre que o que você está afirmando tem fundamento.
Saulo Gil disse…
Como quiser caro Sidney:
Em 1995 o BC fez 32 leilões de câmbio no equivalente a US$ 7 bilhões, elevou a cotação do dólar e aumentou brutalmente a taxa de juros (chegando a quase 24%). Comprovadamente, só nessa época, US$ 2 bilhões de investidores estrangeiros deixaram o país.
Para atenuar as mudanças cambiais que desagradaram aos investidores, o governo anunciou a privatização da Cia Vale do Rio Doce, considerada a mais eficiente das 136 estatais e o fim da reserva de mercado no setor bancário.
sidney borges disse…
Mostre as fontes, isso parece coisa do PHA. Quero provas. Você precisa fazer a conexão entre uma privatização que estava sendo preparada há muito tempo e um momento de crise internacional. Melhor deixar pra lá, pela forma como você escreve dá pra notar certezas absolutas. Eu sou aprendiz e percebo que jamais chegarei ao seu nível, portanto encerro aqui este debate. O patrão chama e cobra produção. Esses porcos capitalistas... Ainda bem que com a Dilma isso tudo vai mudar... Valeu.

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