Ramalhete de "Causos"
“Que venham as almas!”
José Ronaldo dos Santos
No alto da serra, num lugar chamado Purubinha, entre a fazenda Santa Virgínia e Catuçaba, o meu amigo Mário, o conhecido “seu” Mário, tinha um sítio muito simples, no meio da mata, lugar quieto e desabitado, onde faz muito frio à noite. Hoje tudo faz parte do Núcleo Santa Virgínia. Os posseiros e antigos proprietários foram indenizados. Quando queria descansar, pescar e plantar ele se deslocava para lá com a família e alguns amigos. Por muitas vezes até sozinho ele foi até aquele maravilhoso lugar. Dizia que era assim que se recarregava para o trabalho da semana, no Posto de Saúde.
Em uma das rodas de causos, ele contou assim:
“Há um bom tempo, pelo menos quinze anos, quando eu ainda nem havia erguido todas as paredes da minha casa (era um rancho só com a cobertura), eu já juntava os filhos e íamos para lá onde passávamos as noites bem enrolados nos cobertores, tendo o fogo à lenha atiçado a noite toda. Foi nesse tempo que duas situações estranhas aconteceram. Essa época já não tinha muita gente morando por lá.
A minha filha ainda era uma menina; acordamos uma noite com o rumor de seus passos. Eu me levantei e vi a menina indo em direção à mata escura, seguindo uma pequena luz. Fui atrás dela e a trouxe de volta, sem ter visto ninguém mais. Ela explicou que uma velhinha havia lhe pedido que fosse com ela naquela direção.
Numa outra ocasião em que chegava com os amigos no rancho, fomos saudados por um guarda florestal que passava por ali. O guarda nos disse para tomarmos cuidado porque havia muitos caçadores atirando naquela região. Na manhã seguinte outro guarda apareceu nas minhas terras falando dos caçadores. Eu agradeci e disse:
- ‘Um colega seu já passou por aqui ontem à noite alertando do problema’.
- ‘Não senhor, ontem não havia ninguém de serviço por aqui. Deve haver um engano. Como era essa pessoa? Pode descrevê-lo?’
Após a descrição feita por mim, o guarda abaixou a cabeça parecendo não acreditar e, visivelmente abatido revelou:
- ‘Um companheiro nosso parecido com o que o senhor diz, tendo até um sinal de nascença no lado esquerdo do rosto, do jeitinho que o senhor explicou, foi morto há pouco tempo - quase cinco meses! - a tiros nessa região. Não é possível de ser ele’.
Depois disso, pouquíssimos amigos quiseram voltar para descansar no Purubinha. Achei bom. De vez em quando precisamos da ajuda, nem que seja de gente do outro mundo, para espantar os aproveitadores, os parasitas da vida. Infelizmente não se pode matar ‘chupim’!. Que venham as almas!”.
Leitura recomendada: Relato de um náufrago, de Gabriel Garcia Márques.
Boa leitura!
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José Ronaldo dos Santos
No alto da serra, num lugar chamado Purubinha, entre a fazenda Santa Virgínia e Catuçaba, o meu amigo Mário, o conhecido “seu” Mário, tinha um sítio muito simples, no meio da mata, lugar quieto e desabitado, onde faz muito frio à noite. Hoje tudo faz parte do Núcleo Santa Virgínia. Os posseiros e antigos proprietários foram indenizados. Quando queria descansar, pescar e plantar ele se deslocava para lá com a família e alguns amigos. Por muitas vezes até sozinho ele foi até aquele maravilhoso lugar. Dizia que era assim que se recarregava para o trabalho da semana, no Posto de Saúde.
Em uma das rodas de causos, ele contou assim:
“Há um bom tempo, pelo menos quinze anos, quando eu ainda nem havia erguido todas as paredes da minha casa (era um rancho só com a cobertura), eu já juntava os filhos e íamos para lá onde passávamos as noites bem enrolados nos cobertores, tendo o fogo à lenha atiçado a noite toda. Foi nesse tempo que duas situações estranhas aconteceram. Essa época já não tinha muita gente morando por lá.
A minha filha ainda era uma menina; acordamos uma noite com o rumor de seus passos. Eu me levantei e vi a menina indo em direção à mata escura, seguindo uma pequena luz. Fui atrás dela e a trouxe de volta, sem ter visto ninguém mais. Ela explicou que uma velhinha havia lhe pedido que fosse com ela naquela direção.
Numa outra ocasião em que chegava com os amigos no rancho, fomos saudados por um guarda florestal que passava por ali. O guarda nos disse para tomarmos cuidado porque havia muitos caçadores atirando naquela região. Na manhã seguinte outro guarda apareceu nas minhas terras falando dos caçadores. Eu agradeci e disse:
- ‘Um colega seu já passou por aqui ontem à noite alertando do problema’.
- ‘Não senhor, ontem não havia ninguém de serviço por aqui. Deve haver um engano. Como era essa pessoa? Pode descrevê-lo?’
Após a descrição feita por mim, o guarda abaixou a cabeça parecendo não acreditar e, visivelmente abatido revelou:
- ‘Um companheiro nosso parecido com o que o senhor diz, tendo até um sinal de nascença no lado esquerdo do rosto, do jeitinho que o senhor explicou, foi morto há pouco tempo - quase cinco meses! - a tiros nessa região. Não é possível de ser ele’.
Depois disso, pouquíssimos amigos quiseram voltar para descansar no Purubinha. Achei bom. De vez em quando precisamos da ajuda, nem que seja de gente do outro mundo, para espantar os aproveitadores, os parasitas da vida. Infelizmente não se pode matar ‘chupim’!. Que venham as almas!”.
Leitura recomendada: Relato de um náufrago, de Gabriel Garcia Márques.
Boa leitura!
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