Opinião
Lula, Dilma e seus sofismas
Roberto Macedo - O Estado de S.Paulo
Como sofisma não é palavra de uso corrente, recorro ao Dicionário Houaiss para defini-la: "Argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa." Sofismas também podem vir de "apoteoses mentais" e de egolatrias que contagiam quem assim argumenta.
No início do curso de Economia aprendi sobre um sofisma ou falácia no clássico livro-texto de Paul Samuelson (1915-2009, Prêmio Nobel de Economia de 1972) Introdução à Análise Econômica. Nele esse sofisma vem inicialmente em latim: "Post hoc ergo propter hoc" (se depois disso, logo, por causa disso). A lição é não se deixar enganar por ele nem argumentar na mesma linha.
Lula e seu séquito, em que neste momento se destaca a companheira Dilma, costumam argumentar dessa forma sobre questões econômicas. Sinteticamente, o argumento é: antes de Lula a economia era assim; depois que ele chegou ao governo, ela melhorou; logo, foi ele quem fez isso e deve receber todo o crédito correspondente. Débitos são convenientemente escondidos por baixo de tapetes.
Exemplos dessa prática são encontrados nos seus discursos e nos programas eleitorais da sua candidata à Presidência. Um muito comum é quando se afirma: "Nós criamos quase 14 milhões de empregos formais." Explicitada, a falácia é assim construída: depois que Lula assumiu, vieram esses 14 milhões de empregos; logo, foi Lula que os criou, e sua criatura Dilma também assume o crédito.
O que o Executivo Federal criou por si mesmo foram uns 100 mil empregos de funcionários públicos civis, muitos claramente desnecessários, mas indispensáveis para acomodar partidários carentes de uma boquinha, no que às vezes se excedem e passam às mordidas. Entre os demais contratados, há também os de necessidade discutível, tudo a pretexto de "fortalecer o Estado".
Mas quem mesmo empregou os milhões fora do governo foi a economia na sua dinâmica, e aí a grande benesse do período Lula, mas não resultante de sua pessoa, veio de fora para dentro do País, na forma de um forte crescimento da economia mundial. Não posso afirmar que nunca antes no mundo esse crescimento foi o mais forte de um período com a mesma duração, mas seguramente foi um dos mais robustos.
Entre as consequências no Brasil, merece destaque uma nem sempre devidamente enfatizada. O fato é que dessa benesse também veio, com a melhoria das contas externas e acumulação de reservas cambiais, o fim do fantasmagórico problema no passado conhecido como escassez de divisas, que recorrentemente trazia grandes sofrimentos à economia brasileira. Não fossem essas reservas, o efeito da última crise externa, a de 2008, teria sido devastador, provavelmente se teria prolongado até hoje, e Lula não estaria debitando a conta à sua gestão, pois o sofismar se restringe à acumulação de créditos.
Como nos milhões de empregos, o "post hoc ergo propter hoc" é também usado para dizer que "retiramos 28 milhões da miséria" e que 36 milhões foram elevados à classe média. Números esses, aliás, que também precisariam ser discutidos quanto aos conceitos de miséria e de classe média utilizados, e sua métrica.
No fundo, o raciocínio lulo-dilmista ignora que a História é um processo moldado pela força de circunstâncias e por decisões humanas que as influenciam. Quanto a essas decisões, entretanto, é muita pretensão assumir pessoalmente o mérito por todos esses milhões. Nem o mitológico Hércules daria conta do recado.
Centenas de milhões de chineses e outros atores da economia mundial, que passaram a demandar mais nossos produtos, tiveram maior influência sobre a melhora da economia brasileira, e foi também uma tributação ainda mais onerosa em cima dela que permitiu a expansão dos gastos sociais de que a dupla tanto se vangloria.
Mas, se for para olhar também as ações presidenciais, outro elemento que muito pesou foi a maturação de medidas de governantes que precederam Lula. Para não ir muito longe no passado, Collor, Itamar e FHC. Entre outras coisas, trouxeram a maior abertura da economia, o programa de privatização, outros ajustes nas contas públicas e o surgimento do real como moeda digna do nome. Olhando apenas quem passou a faixa presidencial, pode-se dizer que Lula também herdou de FHC a prancha adequada para surfar na boa onda da economia mundial.
É sabido que o presidente Lula tem formas de ver as coisas e de argumentar que muitas vezes causam perplexidade a quem procura analisá-las na sua lógica e sustentação factual. Seu recurso mais comum é ao método Nanp (nunca antes neste país), em que faz afirmações precedidas dessas quatro palavras. É uma variante do referido sofisma, simplificada e ampliada, pois está a dizer que tudo a que se refere veio depois dele. Quem o ouve ou aceita o dito num ato de fé ou tem de olhar toda a História do País para verificar se o que foi afirmado vale ou não.
É pena que o debate eleitoral tenha seguido por uma temática em que questões como essas e outras importantes não são discutidas, com o que muitos eleitores são bombardeados com autoavaliações enganosas. Os debates pela televisão, que nesse meio de comunicação poderiam ter maior alcance, além de serem poucos, têm também uma sistemática a limitar o papel de jornalistas ao de cronometristas, com quase ou nenhum espaço para suas perguntas. E tampouco para questões de audiências selecionadas aleatoriamente em vários segmentos da sociedade, além de ocorrerem em horários inconvenientes para a maioria dos telespectadores.
Como sempre neste país, os eleitores votarão em condições de informações e de percepções muito limitadas.
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Roberto Macedo - O Estado de S.Paulo
Como sofisma não é palavra de uso corrente, recorro ao Dicionário Houaiss para defini-la: "Argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa." Sofismas também podem vir de "apoteoses mentais" e de egolatrias que contagiam quem assim argumenta.
No início do curso de Economia aprendi sobre um sofisma ou falácia no clássico livro-texto de Paul Samuelson (1915-2009, Prêmio Nobel de Economia de 1972) Introdução à Análise Econômica. Nele esse sofisma vem inicialmente em latim: "Post hoc ergo propter hoc" (se depois disso, logo, por causa disso). A lição é não se deixar enganar por ele nem argumentar na mesma linha.
Lula e seu séquito, em que neste momento se destaca a companheira Dilma, costumam argumentar dessa forma sobre questões econômicas. Sinteticamente, o argumento é: antes de Lula a economia era assim; depois que ele chegou ao governo, ela melhorou; logo, foi ele quem fez isso e deve receber todo o crédito correspondente. Débitos são convenientemente escondidos por baixo de tapetes.
Exemplos dessa prática são encontrados nos seus discursos e nos programas eleitorais da sua candidata à Presidência. Um muito comum é quando se afirma: "Nós criamos quase 14 milhões de empregos formais." Explicitada, a falácia é assim construída: depois que Lula assumiu, vieram esses 14 milhões de empregos; logo, foi Lula que os criou, e sua criatura Dilma também assume o crédito.
O que o Executivo Federal criou por si mesmo foram uns 100 mil empregos de funcionários públicos civis, muitos claramente desnecessários, mas indispensáveis para acomodar partidários carentes de uma boquinha, no que às vezes se excedem e passam às mordidas. Entre os demais contratados, há também os de necessidade discutível, tudo a pretexto de "fortalecer o Estado".
Mas quem mesmo empregou os milhões fora do governo foi a economia na sua dinâmica, e aí a grande benesse do período Lula, mas não resultante de sua pessoa, veio de fora para dentro do País, na forma de um forte crescimento da economia mundial. Não posso afirmar que nunca antes no mundo esse crescimento foi o mais forte de um período com a mesma duração, mas seguramente foi um dos mais robustos.
Entre as consequências no Brasil, merece destaque uma nem sempre devidamente enfatizada. O fato é que dessa benesse também veio, com a melhoria das contas externas e acumulação de reservas cambiais, o fim do fantasmagórico problema no passado conhecido como escassez de divisas, que recorrentemente trazia grandes sofrimentos à economia brasileira. Não fossem essas reservas, o efeito da última crise externa, a de 2008, teria sido devastador, provavelmente se teria prolongado até hoje, e Lula não estaria debitando a conta à sua gestão, pois o sofismar se restringe à acumulação de créditos.
Como nos milhões de empregos, o "post hoc ergo propter hoc" é também usado para dizer que "retiramos 28 milhões da miséria" e que 36 milhões foram elevados à classe média. Números esses, aliás, que também precisariam ser discutidos quanto aos conceitos de miséria e de classe média utilizados, e sua métrica.
No fundo, o raciocínio lulo-dilmista ignora que a História é um processo moldado pela força de circunstâncias e por decisões humanas que as influenciam. Quanto a essas decisões, entretanto, é muita pretensão assumir pessoalmente o mérito por todos esses milhões. Nem o mitológico Hércules daria conta do recado.
Centenas de milhões de chineses e outros atores da economia mundial, que passaram a demandar mais nossos produtos, tiveram maior influência sobre a melhora da economia brasileira, e foi também uma tributação ainda mais onerosa em cima dela que permitiu a expansão dos gastos sociais de que a dupla tanto se vangloria.
Mas, se for para olhar também as ações presidenciais, outro elemento que muito pesou foi a maturação de medidas de governantes que precederam Lula. Para não ir muito longe no passado, Collor, Itamar e FHC. Entre outras coisas, trouxeram a maior abertura da economia, o programa de privatização, outros ajustes nas contas públicas e o surgimento do real como moeda digna do nome. Olhando apenas quem passou a faixa presidencial, pode-se dizer que Lula também herdou de FHC a prancha adequada para surfar na boa onda da economia mundial.
É sabido que o presidente Lula tem formas de ver as coisas e de argumentar que muitas vezes causam perplexidade a quem procura analisá-las na sua lógica e sustentação factual. Seu recurso mais comum é ao método Nanp (nunca antes neste país), em que faz afirmações precedidas dessas quatro palavras. É uma variante do referido sofisma, simplificada e ampliada, pois está a dizer que tudo a que se refere veio depois dele. Quem o ouve ou aceita o dito num ato de fé ou tem de olhar toda a História do País para verificar se o que foi afirmado vale ou não.
É pena que o debate eleitoral tenha seguido por uma temática em que questões como essas e outras importantes não são discutidas, com o que muitos eleitores são bombardeados com autoavaliações enganosas. Os debates pela televisão, que nesse meio de comunicação poderiam ter maior alcance, além de serem poucos, têm também uma sistemática a limitar o papel de jornalistas ao de cronometristas, com quase ou nenhum espaço para suas perguntas. E tampouco para questões de audiências selecionadas aleatoriamente em vários segmentos da sociedade, além de ocorrerem em horários inconvenientes para a maioria dos telespectadores.
Como sempre neste país, os eleitores votarão em condições de informações e de percepções muito limitadas.
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