Gente apaixonada por Ubatuba

A saga Patural (Parte II)

José Ronaldo Santos
No final da primeira parte, relatei a decisão do casal Patural em investir em Ubatuba, após uma experiência com batatas em Redenção da Serra. Convém lembrar que a estrada mais antiga, que permitia o acesso a outros municípios, era a de Taubaté, existente desde o início da década de 1930. A segunda via de acesso rodoviário foi construída vinte anos depois, ligando esse município com Caraguatatuba. Seria interessante que surgissem pesquisadores para descrever o quão difícil foi essa segunda empreitada. Vários trabalhadores dessa obra ainda estão vivos, moram por aqui mesmo. Isso pode ser tratado mais tarde; é outra história; vai ficar de lado por enquanto. Voltemos ao relato da dona Silvia; imaginemos o quanto é penoso, mesmo após tanto tempo e realizações (os filhos formados, a nora e uma netinha), tornar pública a sua história. Por outro lado, é motivo de orgulho falar do idealismo, da coragem de ambos em virem para o Brasil, de terem encontrado, no último município do litoral norte paulista o lugar perfeito para a utopia que portavam. Também deveria nos orgulhar, enquanto caiçaras, de pertencer a uma terra que acolhe tanta gente disposta a contribuir para tornar este chão um lugar viável e prazeroso. Imaginem o humilde lar do morador praiano abrigando um casal de estrangeiros que ainda tropeçava na língua portuguesa. (Faço questão de lembrar que o “dialeto” caiçara tinha as suas particularidades, capaz de complicar ainda mais). Ainda bem que era um povo muito acolhedor!

“Em 1954 nós partimos à procura de um lugar que, além de agradável, oferecesse as condições propícias de cultivo e de instalações. Meu marido era um empreendedor. O lado sul do município logo ficou fora de cogitação. Motivo: a abertura da rodovia Ubatuba-Caraguatatuba estava sendo concluída, fazendo com que os preços das terras daquele lado encarecessem muito. Então nos falaram do lado norte, das vastas áreas e de outras vantagens. Num final de semana, após deixarmos a nossa filha Patrícia com alguém de muita confiança em Taubaté, começamos a nossa aventura para o lado norte do município. Por volta do meio-dia deixamos a cidade, seguindo sempre a pé. Passamos o Perequê-açu, o Saco da Mãe Maria, a praia Vermelha com suas areias grossas, a praia do Alto - que até hoje é muito bonita -, a praia de Itamambuca. Imaginem tudo isso a pé e com muito calor! Depois chegamos ao morrão da praia do Félix e, finalmente, paramos ao escurecer, na praia do Léo - aquela que, desde 1991, devido a um desabamento da estrada após forte chuva, está soterrada numa boa parte.

Na praia do Léo batemos palmas numa casa e perguntamos se havia ali por perto alguma pousada ou coisa do gênero. Imaginem só !!! Isso era comum na Europa. Disseram que não. Nos ofereceram um pouso, numa cama simples com esteira de taboa. Foram muito gentis conosco. No dia seguinte, já sabendo dos nossos motivos, disseram que para os lados do Ubatumirim e do Puruba é que tinha boas terras. E era mesmo! Pura verdade!

No rio Puruba nós fizemos uma parada; esperamos um bom tempo até que o balseiro aparecesse. Parece que ele estava almoçando; depois deve ter dormido um pouquinho. Nem me lembro mais direito deste detalhe. Só sei que ele apareceu e, assim, depois de seguir a trilha do telégrafo, alcançamos a praia da Justa. Finalmente, depois de um pequeno morro, estávamos no Ubatumirim.

De fato as terras do Ubatumirim, sobretudo as da Sesmaria, nos agradaram muito. Aí fomos acolhidos na casa da família do Manoel Leopoldo. Para a dormida nos dispuseram uma sala com esteiras e penico, onde havia um montão de sapê secando. Era um calorão de janeiro; baratas passeavam por todos os lados. Ao abrirmos a porta para a entrada de frescor, também entraram os cachorros. Mesmo assim, nós, de tão cansados, desmaiamos.

No dia seguinte fomos conhecer a Sesmaria, dos Nunes Pereira. Gostamos muito. Ainda bem que a volta para a cidade foi de canoa.

Chegando à cidade, logo procuramos nos informar sobre a situação legal daquelas terras. Quem nos deu segurança e nos garantiu da propriedade dos Nunes Pereira foi o coronel Ernesto de Oliveira, pai do “Filhinho” (da farmácia). Satisfeitos e cansados embarcamos no ônibus para Taubaté. A viagem durava na média de quatro horas, mas o tempo tinha de estar bom, sem chuva, senão...

Após um breve período fizemos a segunda viagem para o Ubatumirim. Desta vez o anoitecer nos alcançou na praia da Itamambuca. Novamente pedimos pouso, mas as condições estavam tão críticas, enquanto que o luar e a noite estava tão convidativos, que acabamos pegando uma humilde coberta que nos ofereceram e fomos dormir nas areias da praia. Jean-Pierre somente ajeitou os “travesseiros” com a própria areia. Só sei que acordamos no dia seguinte com o sol brilhando e a maré quase nos alcançando os pés. Chegando ao Ubatumirim nos reencontramos com o Mané Leopoldo e compramos a Sesmaria do Ubatumirim, que era dos Nunes Pereira. Ela distava seis ou sete quilômetros da praia. Mais tarde nós compramos mais uma posse. Logo iniciamos a plantação de bananeiras, alcançando a marca, em poucos anos, de trinta mil pés.

A primeira dificuldade sentida era com relação ao deslocamento, pois se perdia muito tempo indo a pé desde a cidade até o Ubatumirim. Parece-se me, se não me engano, que pelo mar a distância era de vinte e dois quilômetros, enquanto que por terra, seguindo o caminho usual dos caiçaras, perfazia trinta e seis quilômetros.

Eu trabalhava lecionando francês em Taubaté, enquanto o meu marido se dedicava com exclusividade ao nosso empreendimento em Ubatuba, pois tínhamos camaradas que precisavam ser orientados e acompanhados em seus trabalhos, senão... Dessa necessidade surgiu a idéia de se fazer um barco. Foi quando o nosso quintal em Taubaté se transformou num mini-estaleiro, recebendo as madeiras e o motor de centro modelo Ford alemão.

Logo o barco ficou pronto. E agora? Como tirá-lo do quintal? Ainda bem que no terreno ao lado não havia nada de construção. A solução foi derrubar um pedaço do muro, passar o barco e, depois, refazer a parede. Um caminhão foi utilizado para trazer o barco até Ubatuba. Foi o primeiro barco registrado na Colônia dos Pescadores. Isso foi em 1956. Ainda temos tal documento em perfeito estado de conservação. Esse barco nos foi muito útil. Porém, em diversas ocasiões em que precisávamos dele passávamos raiva, pois os empregados se aproveitavam das nossas ausências e saíam para passear ou pescar. Era algo que gastava a nossa paciência”.

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