Opinião

O STF e o humor político

Editorial do Estadão
Em decisão que ainda precisa ser referendada pelo plenário, o vice-presidente do STF, ministro Ayres Britto, concedeu liminar liberando programas humorísticos sobre candidatos às eleições de 3 de outubro. A proibição está prevista pela Lei n.º 9.504/97, que disciplina as campanhas eleitorais, mas, com apoio de jornalistas, intelectuais, humoristas, artistas de teatro e tevê e da Repórteres sem Fronteiras, uma ONG que lidera uma rede internacional de defesa da liberdade de imprensa, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) entrou com recurso questionando sua constitucionalidade.

O objeto da discussão é o artigo 45 desse texto legal, que determina que, a partir de 1.º de julho de cada ano eleitoral, as rádios e televisões ficam proibidas de veicular filmes, novelas, minisséries e programas com "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação". O dispositivo também proíbe as rádios e televisões de veicular programas com "alusão ou crítica" a políticos e candidatos "mesmo que dissimuladamente". As emissoras que infringirem essa proibição ficam sujeitas a multas de até R$ 200 mil.

Quando o Congresso aprovou essa restrição, alguns deputados e senadores reconheceram que estavam legislando em causa própria. Como a atividade legislativa e a vida partidária passaram a ser cada vez mais protagonizadas por personagens que se prestam a "gozações", a classe política procurou evitar essa forma de crítica silenciando as emissoras.

Os humoristas classificaram a iniciativa como "forma de intimidação", afirmando que muitos políticos são mais caricatos do que as imitações que deles são feitas nos programas humorísticos e denunciando a "concorrência desleal". Já os líderes partidários alegaram que seu objetivo era apenas assegurar a "isenção dos órgãos de comunicação" e evitar a difusão de "opiniões favoráveis ou contrárias" aos candidatos a cargos eletivos, sob a forma de paródias e sátiras.

O problema é que essa proibição é, sem dúvida, uma forma de censura, colidindo frontalmente com o artigo 5.º da Constituição, que consagra as liberdades de informação, de expressão e de opinião no rol das garantias fundamentais e das liberdades públicas. Por conciliar crítica com ironia, as imitações e sátiras, desde a antiguidade helênica, nada mais são do que expressões artísticas e criativas de manifestação do pensamento.

Por isso, o humor hoje exerce o mesmo papel de um artigo ou de uma crônica jornalística no debate público. Como disse o ministro Ayres Britto, em seu despacho, ao tornar o processo político mais engraçado, as brincadeiras, paródias e sátiras fortalecem a representação política. Na democracia, elas são tão importantes quanto o voto. "Opinar e criticar está liberado na televisão e no rádio. Esse direito é pleno em todo o tempo, lugar e circunstância, ou seja, em período não eleitoral e em período de eleições. Reconhecido como expressão da liberdade de imprensa, o humor, por meio de críticas e ironias, é sinal de maturidade democrática", afirmou Britto.

De fato, nas campanhas eleitorais, os programas humorísticos envolvendo políticos têm um enorme potencial persuasivo. Com seu efeito corrosivo, eles ajudam o eleitorado a discernir entre as alternativas que lhes são oferecidas. Em alguns casos, simples piadas podem valer muito mais do que discursos pomposos, desnudando - pelo riso - as contradições, as mentiras e o despreparo que os bem remunerados assessores de mar- keting político dos candidatos se empenham em ocultar.
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