Coluna do Rui Grilo

O Sol e o mar de Ubatuba

Rui Grilo
Quando o clarão do sol atravessa o vitrô da cozinha e ilumina o quarto, geralmente me levanto para abrir a janela. Lá embaixo avisto o sol nascendo atrás do morro que separa a Barra Seca da Praia Vermelha. Vejo o mar, as plantas coloridas do meu quintal, os beija-flores sugando o seu alimento e, às vezes, os tiés-sangue e outros pássaros pousando nas plantas. Muitas vezes o silêncio é quebrado pelas maritacas e periquitos que vem buscar seus alimentos na grande figueira da entrada da minha casa.

Uma enorme sensação de bem estar percorre todo o meu ser.

Nasci bem distante daqui, na ponta do Paranapanema, quase na divisa do Mato Grosso do Sul. Quando vi o mar pela primeira vez, tinha uns vinte e cinco anos de idade. Naquela época, jamais imaginei que iria poder ver o mar e ouvir o seu rugido todos os dias.

Em 98, logo depois de chegar da Bolívia fiz um cateterismo e nem voltei para casa. Três dias depois fiz uma safena e uma mamária, o que me manteve vivo até hoje.

Todas a vezes que vou a São Paulo, não me canso de contemplar o mar na Praia Grande, na Domingas Dias, na Praia Dura, na Maranduba e na Massaguaçu. Apesar da variedade de atividades e diversões que São Paulo oferece, não consigo mais permanecer lá muito tempo.

E quando o ônibus começa a descer a serra e a gente vê a baía de Caraguatatuba, a beleza do cenário me encanta como se fosse a primeira vez.

Ao mesmo tempo que aprecio o vai e vem das ondas, e, ao se quebrar, passando do verde e do azul para o prateado, na minha memória vai espoucando flashes e reflexões.

O fato de estar vivo e de poder conhecer e acompanhar o desenvolvimento das minhas netas e filhos, não foi conseqüência só da operação mas à felicidade de viver aqui.

No entanto, às vezes vejo situações que me enchem de tristeza.

Outro dia, enquanto esperava o resultado dos exames de sangue, me sentei ao lado do Pe. Anchieta, na mureta em frente ao mar. Comecei a ler a Carta Capital. Um morador de rua, que perambula pelo centro, colocou o saco de seus pertences sobre a mureta e desceu até a areia. Como se fosse um pente passou a mão pelos cabelos e pela barba. Depois, retirou a bermuda e se dirigiu ao mar. Na parte de trás de sua cueca podia se perceber um volume. Quando chegou à água, retirou a cueca e jogou o troço na água. Depois se abaixou na água e fez movimentos como se estivesse se lavando e lavando a cueca e, em seguida vestiu-a novamente.

Voltei à Santa Casa e, como os exames não estavam prontos, me sentei para esperar. Em seguida um casal de policiais colocaram uma menina ao meu lado. Ao perceber que estava algemada com as mãos para trás, perguntei:

- Quantos anos você tem?

- 22.

Fiquei surpreso porque ela aparentava a fragilidade de uma menina.

Quando ela acompanhou a enfermeira para a sala de consulta perguntei ao guarda se era problema com tráfico e ele confirmou com um aceno de cabeça.

Folheando o jornal, procurei a tabela de balneabilidade das praias e, em Ubatuba havia subido para seis, inclusive Perequê Açu. Ouço pessoas contarem que o falecido Governador Covas, ao visitar Ubatuba, prometeu que as obras de coleta de esgoto estariam prontas antes do fim do seu mandato. Covas morreu em 2001 e Alckmin o sucedeu. Até hoje estamos esperando a conclusão das obras.

Agora, quase nas vésperas das eleições, a Secretária de Saneamento de São Paulo volta à Ubatuba para prometer a expansão da rede. Dá para acreditar?

Fico pensando: o que será que levou essas duas pessoas – a menina e o morador de rua - a trilharem esses caminhos? Quais as políticas públicas que poderiam ter contribuído para que essas pessoas não tivessem chegado a essa situação?

E me lembro daquele belíssimo filme “Minha Vida de Cachorro” que mostra os cuidados que o estado sueco tem com as crianças que ficam órfãs.

No caso da poluição das praias, se é sabido que cada real investido em saneamento básico evita o gasto de três reais em saúde, qual a justificativa para a demora na implantação desse serviço ? Por que não impedir que nossa galinha dos ovos de ouro vá se deteriorando aos poucos?

Rui Grilo – ragrilo@terra.com.br

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