Opinião

Nem Chávez nem Fujimori

Sergio Fausto
No início de julho Alan García, presidente do Peru, voltou a mudar o seu Ministério, a terceira vez em três anos de mandato, diante de mais uma crise política. O estopim, desta feita, foram embates na Amazônia peruana entre forças policiais e organizações indígenas e camponesas, com um saldo de 35 mortos.


A onda de violentos conflitos sociais levantou-se ao final de 2008. Entre outubro e novembro, na região andina de Cuzco, por mais de um mês houve bloqueio de estradas e depredação de prédios públicos. Nos dois casos, os conflitos opuseram o governo e organizações indígenas e camponesas em torno de leis e empreendimentos envolvendo o uso de recursos naturais. Sintomaticamente, na última semana, a federação dos pequenos agricultores camponeses deu início a uma iniciativa popular visando a aprovar lei revogatória de toda a legislação recente sobre o uso da água, recursos florestais e minerais.

Mal realizada a mudança ministerial, García viu-se diante da convocatória de uma greve geral, que reuniu várias entidades e paralisou parcialmente algumas cidades do país. Segundo a Defensoria Pública, haveria no momento 226 conflitos ativos no Peru. Difícil dizer o que esse número de fato significa, mas é indicativo de um ambiente político e social conturbado, no qual se inclui a reativação embrionária do movimento guerrilheiro Sendero Luminoso, agora estreitamente vinculado ao tráfico de cocaína.

O aparente paradoxo é que, entre 2001 e 2008, o Peru foi o país que melhor desempenho econômico apresentou na América Latina: crescimento médio de 6,5% ao ano, inflação baixa e equilíbrio nas contas externas, fundamentos que têm ajudado o país a melhor assimilar os impactos da crise financeira global.

A explicação mais frequente para o aparente paradoxo é a de que "a economia vai bem, mas o povo vai mal". Não é bem assim: tem havido queda da pobreza, mobilidade social para cima e maior investimento público no interior do país. Tudo isso, no entanto, ocorre de forma lenta, mal distribuída e incerta, agravando o ressentimento de indígenas e camponeses concentrados na Amazônia e nos Andes peruanos em relação às classes médias e altas da região costeira, onde está Lima.

Nas regiões da serra e da selva, há uma longa tradição de resistência às pressões da agricultura comercial e da exploração empresarial de recursos naturais, em defesa das estruturais sociais e econômicas das comunidades indígenas e camponesas. As tensões recrudesceram a partir dos anos 1990, na esteira de investimentos crescentes na exploração de minérios e gás mineral, abundantes no país. Desde logo, García fez da abertura de novas fronteiras a investimentos na exploração de recursos naturais, incluindo mar e florestas, o seu cavalo de batalha. Em notória série de artigos publicados em 2007, valeu-se do antigo provérbio espanhol "como el perro del hortelano, que no come ni deja comer" para caricaturar a atitude dos que opunham resistência, crítica ou ressalva aos seus intentos de extrair o máximo proveito do engate entre um Peru pródigo em recursos naturais, de um lado, e uma economia mundial ávida por eles, de outro. A metáfora canina certamente não o ajudou a construir um clima de entendimento que pudesse facilitar a deliberação racional e democrática sobre os custos sociais e ambientais do "progresso". Quem semeia vento...

Desse quadro de confrontação se beneficiam Hugo Chávez e Evo Morales, assim como movimentos sociais radicalizados. A ingerência do primeiro na política doméstica peruana não é de hoje. Já nas eleições presidenciais de 2006, Chávez trabalhou ostensivamente em favor do candidato Ollanta Humala, militar de tendência ultranacionalista, autoritária e populista, que chegou em segundo lugar, perdendo para García por estreita margem de votos. Morales, por sua vez, vê nos Andes peruanos uma extensão da territorialidade cultural e política dos altiplanos bolivianos, pois em ambos prevalecem populações quíchuas e aimaras.

No momento, são duas as perguntas pendentes sobre o Peru: como evoluirá a crise política atual e qual será o seu impacto sobre as eleições presidenciais marcadas para abril de 2011? Pesquisa recente do instituto de opinião pública da Universidade Católica de Lima traz dados interessantes para conjeturar a respeito. O primeiro deles é que a preferência por uma mudança radical na política econômica, embora significativa, é minoritária (30%). O segundo diz respeito às intenções de voto no candidato Ollanta Humala, que, embora apareça perto dos primeiros colocados, apresenta rejeição superior a 50%, obstáculo difícil de ser vencido em eleições com dois turnos. O terceiro é a maciça rejeição a Chávez (70% dizem não votar em candidato por ele apoiado).

Tais dados devem ser tomados com cautela. Para quem olha mais à frente, há razão para se preocupar: a desaprovação ao governo de Alan García é enorme, a desmoralização das instituições políticas não é menor e o espaço para candidatos "antissistema" está aberto (não só Humala, mas também Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, recém-condenado por crimes contra os direitos humanos).
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