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Uma aposta ousada do presidente Lula

Maria Inês Nassif no Valor Econômico (original aqui)
Não deixa de ser uma aposta ousada: no momento em que o PMDB é um somatório de desgastes de suas lideranças políticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se lança numa cruzada destinada a sustentar nacional e regionalmente cada um deles. Lula tem dado a líderes pemedebistas que são a expressão da política tradicional - de clientelismo, patrimonialismo e mandonismo - uma sustentação cujo aval é sua alta popularidade, a maior conseguida por um presidente da República brasileiro em períodos democráticos. Tem acrescido a ela o apoio resignado de seu partido, o PT. Do ponto de vista tático, pode ser uma jogada de mestre: Lula passa de uma situação em que era refém do PMDB do Senado para outra, em que é credor da bancada pemedebista naquela Casa. Do lado político, todavia, é uma ofensiva que tende a trazer o PT definitivamente para a planície dos partidos tradicionais.


O PT debilitou-se internamente ao longo de dois governos e de um excessivo pragmatismo da direção partidária e do presidente Lula. O auge da crise do partido foi o escândalo do mensalão, em 2005, quando revelações sobre financiamento ilegal de campanha desmistificaram o entendimento de que era ele a força nova no quadro partidário brasileiro. A crise interna foi simultânea à colheita de popularidade de Lula, que cresceu à medida em que se tornavam visíveis os resultados das políticas de distribuição de renda do seu governo. Rompeu-se, assim, o equilíbrio da relação que existia até então, em que o poder das instâncias partidárias e o poder pessoal de Lula tinham quase o mesmo peso. A partir das eleições de 2006, Lula tornou-se politicamente muito maior que o partido.

A crise política de 2005, se tirou do governo uma certa organicidade mantida no primeiro mandato, deu a Lula uma grande autonomia sobre o partido. As negociações com o PMDB para constituir um governo de coalizão, os complicados ajustes de interesses internos da legenda aliada, a definição de concessões aos outros partidos e, agora, a escolha da candidata petista à Presidência e os acordos para compor a coligação que a levará às urnas são decisões de Lula. O PT não é propriamente um refém da popularidade do presidente, mas amarrou o seu destino ao dele: será muito difícil o partido vencer em 2010 sem se valer do carisma do chefe. A popularidade do governo pode também definir eleições regionais.

O comprometimento de governos com políticos tradicionais abrigados no PMDB e em outros partidos situados à direita do espectro político não é um dado novo da política brasileira. Todos os governantes, desde 1985, precisaram do apoio do PMDB para formar maiorias no Congresso. A crise política do primeiro mandato de Lula foi o preço pago pelo PT por manter um governo sem aliar-se ao maior partido do país. Lula, no seu segundo mandato, não pagou para ver. A excessiva exposição de sua imagem à de políticos tradicionais, todavia, é um dado adicional. Não faz parte da tradição política brasileira. Ao que tudo indica, Lula acredita que está imune a contaminações com os escândalos que têm atingido as lideranças tradicionais da política brasileira.

O apoio incondicional aos líderes tradicionais que estão em franco processo de desgaste tem suas contra-indicações. O dado mais visível é o enfraquecimento cada vez maior do PT como instância de decisões políticas: Lula tem sido o protagonista de ações das quais resultam compromissos no Congresso e alianças eleitorais nos Estados. Outra é o empréstimo de sua popularidade a lideranças tradicionais que chegavam ao ocaso, para que retomem a hegemonia das políticas estaduais e o espaço na política nacional. Uma terceira consequência pode ser a de acabar de afugentar uma militância ideológica que ainda gravitava em torno do PT por considerá-lo como a alternativa de poder que se contrapunha aos governos anteriores. O PT e Dilma Rousseff herdam, assim, os votos cativos de Lula nas camadas mais pobres da população, mas abrem mão de antigos votos petistas que conferiam ao partido um perfil ideológico diferenciado.

Não será o único caso de partido a sucumbir a um período na chefia do Executivo. O PMDB no governo de José Sarney (1986-1990) e o PSDB nos governos FHC (1995-1998 e 1999-2002) passaram pelo mesmo processo de afrouxamento ideológico. O PSDB, após ações pragmáticas que trouxeram para dentro dele políticos com a carreira fincada na política tradicional, não reencontrou o eixo da social-democracia quando virou oposição. O PT, embora tenha se preservado de adesões de ocasião, tem cada vez menos autonomia em relação ao governo e ao presidente da República.

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