Opinião
Mordaça política na internet
Editorial do Estadão
A abertura da internet para as campanhas eleitorais, o item mais importante do projeto de reforma da legislação aprovado quarta-feira pela Câmara dos Deputados, só aparentemente beneficia o eleitorado. Porque, nos termos em que foi votada, a pretensa liberação do sistema a que 62 milhões de brasileiros já têm acesso padece do que os juristas chamam de vício insanável. Consiste na equiparação da rede de computadores - com sua inesgotável profusão de sites, blogs, comunidades de relacionamento e ferramentas para a transmissão de micromensagens a telefones celulares - às emissoras de rádio e televisão.
A partir dessa absurda premissa, o que se exige no período eleitoral dos meios de difusão que são concessões públicas se exigirá também do "território livre, anárquico, sem Estado" como se referiu à internet o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ao condenar a equivalência.
As restrições impostas à rede desidratam o "efeito Obama", que levou os legisladores brasileiros a estabelecer as normas para doações de internautas aos candidatos e a reconhecer a crescente presença das chamadas novas plataformas de comunicação na vida nacional. O então candidato presidencial americano, como se sabe, não apenas recebeu online cerca de US$ 500 milhões em pequenos valores, mas foi mais longe do que qualquer político do mundo em matéria de aproveitamento da miríade de recursos de informação, propaganda e mobilização que o sistema proporciona. Sem falar que a novidade estimulou a ampliação exponencial do debate público nos Estados Unidos, envolvendo legiões de pessoas, organizações civis e a imprensa. Mas, no Brasil, um portal, site ou blog não poderá, por exemplo, promover debates eleitorais sem a anuência de pelo menos 2/3 dos candidatos, como passará a ser a regra para o rádio e a TV se o projeto vingar no Senado e for sancionado pelo presidente Lula na forma atual.
Além disso, embora autorize os candidatos a fazer propaganda em sites próprios (e acertadamente vede a propaganda paga), o texto amordaça os provedores de conteúdo, que ficam proibidos de apoiar ou se opor a qualquer candidatura. Assim, um jornal que defenda, na página de editoriais, a eleição desse ou daquele nome, poderá ser punido se o fizer na sua versão online. Os deputados fingiram ignorar decisão da Justiça Eleitoral que dá aos sites e correlatos os mesmos direitos da mídia impressa. O projeto cria ainda condições para que um candidato se considere injuriado - e exija reparação pela presumível ofensa - por críticas recebidas nesse meio que se caracteriza pela mais desinibida expressão do pensamento, humor e irreverência (não raro, além dos limites da civilidade). O político que se sentir atingido por palavras ou imagens terá direito de resposta e à remoção do material que o desagradou, tudo como se o sistema já não embutisse naturalmente espaços para o contraditório.
Como observa o deputado Miro Teixeira, ao impor penas aos provedores de conteúdo se um internauta hospedado nos respectivos sites promover ou atacar determinado candidato, o projeto induzirá os hospedeiros à autocensura.
Em mais de uma passagem, o texto recende a hipocrisia. Institui a pré-campanha - antes de 5 de julho do ano eleitoral -, facultando aos potenciais candidatos dizer a que viriam, mas os impede de pedir votos. Aliás, a fixação de uma data para o início da temporada da caça ao voto é uma peça de ficção. Ou alguém ignora, para citar o exemplo mais notório, que a ministra Dilma Rousseff está em campanha aberta pelo Planalto? Em outros trechos, o projeto é de uma chocante condescendência com os políticos e os partidos. Candidatos cujas contas de outras disputas tenham sido rejeitadas pelos tribunais eleitorais ou com dívidas de campanha deixam de ser inelegíveis.
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Editorial do Estadão
A abertura da internet para as campanhas eleitorais, o item mais importante do projeto de reforma da legislação aprovado quarta-feira pela Câmara dos Deputados, só aparentemente beneficia o eleitorado. Porque, nos termos em que foi votada, a pretensa liberação do sistema a que 62 milhões de brasileiros já têm acesso padece do que os juristas chamam de vício insanável. Consiste na equiparação da rede de computadores - com sua inesgotável profusão de sites, blogs, comunidades de relacionamento e ferramentas para a transmissão de micromensagens a telefones celulares - às emissoras de rádio e televisão.
A partir dessa absurda premissa, o que se exige no período eleitoral dos meios de difusão que são concessões públicas se exigirá também do "território livre, anárquico, sem Estado" como se referiu à internet o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ao condenar a equivalência.
As restrições impostas à rede desidratam o "efeito Obama", que levou os legisladores brasileiros a estabelecer as normas para doações de internautas aos candidatos e a reconhecer a crescente presença das chamadas novas plataformas de comunicação na vida nacional. O então candidato presidencial americano, como se sabe, não apenas recebeu online cerca de US$ 500 milhões em pequenos valores, mas foi mais longe do que qualquer político do mundo em matéria de aproveitamento da miríade de recursos de informação, propaganda e mobilização que o sistema proporciona. Sem falar que a novidade estimulou a ampliação exponencial do debate público nos Estados Unidos, envolvendo legiões de pessoas, organizações civis e a imprensa. Mas, no Brasil, um portal, site ou blog não poderá, por exemplo, promover debates eleitorais sem a anuência de pelo menos 2/3 dos candidatos, como passará a ser a regra para o rádio e a TV se o projeto vingar no Senado e for sancionado pelo presidente Lula na forma atual.
Além disso, embora autorize os candidatos a fazer propaganda em sites próprios (e acertadamente vede a propaganda paga), o texto amordaça os provedores de conteúdo, que ficam proibidos de apoiar ou se opor a qualquer candidatura. Assim, um jornal que defenda, na página de editoriais, a eleição desse ou daquele nome, poderá ser punido se o fizer na sua versão online. Os deputados fingiram ignorar decisão da Justiça Eleitoral que dá aos sites e correlatos os mesmos direitos da mídia impressa. O projeto cria ainda condições para que um candidato se considere injuriado - e exija reparação pela presumível ofensa - por críticas recebidas nesse meio que se caracteriza pela mais desinibida expressão do pensamento, humor e irreverência (não raro, além dos limites da civilidade). O político que se sentir atingido por palavras ou imagens terá direito de resposta e à remoção do material que o desagradou, tudo como se o sistema já não embutisse naturalmente espaços para o contraditório.
Como observa o deputado Miro Teixeira, ao impor penas aos provedores de conteúdo se um internauta hospedado nos respectivos sites promover ou atacar determinado candidato, o projeto induzirá os hospedeiros à autocensura.
Em mais de uma passagem, o texto recende a hipocrisia. Institui a pré-campanha - antes de 5 de julho do ano eleitoral -, facultando aos potenciais candidatos dizer a que viriam, mas os impede de pedir votos. Aliás, a fixação de uma data para o início da temporada da caça ao voto é uma peça de ficção. Ou alguém ignora, para citar o exemplo mais notório, que a ministra Dilma Rousseff está em campanha aberta pelo Planalto? Em outros trechos, o projeto é de uma chocante condescendência com os políticos e os partidos. Candidatos cujas contas de outras disputas tenham sido rejeitadas pelos tribunais eleitorais ou com dívidas de campanha deixam de ser inelegíveis.
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