Zé Rodrix (1947-2009)

Sobre necrológios preguiçosos

Sobre comentário para o programa radiofônico do OI, 25/5/2009

Por Alberto Dines (original aqui)
Os obituários de José Rodrigues Trindade, o Zé Rodrix, publicados na grande imprensa no último fim de semana, servem como eloqüente mostruário das deficiências do nosso jornalismo.
A notícia da morte aos 61 anos deste incrível criador surpreendeu as redações na sexta-feira (22/5) pela manhã, quando todos se empenhavam na maratona de fechar as edições de sábado, domingo e parcialmente a de segunda-feira. Rapidamente produziram-se os necrológios possíveis, "naquela base", com as indefectíveis enquetes entre os amigos mais notórios.


Zé Rodrix, gozador em tempo integral e crítico exigente, teria abominado a superficialidade com que foi apresentado no seu evento final. Verdadeiro homem dos sete instrumentos, cantor, letrista, compositor, multiinstrumentista, publicitário, na última década colocou toda sua alma no ofício de escrever. E justamente esta sua produção mais transcendental foi a mais sacrificada.

No "Caderno 2" do Estado de S.Paulo a "Trilogia do Templo" foi apresentada em duas linhas como "um calhamaço de milhares de páginas sobre a maçonaria". O obituário do Globo, o maior, no estilo clássico, refere o "escritor de sucesso numa trilogia de romances sobre a maçonaria" e nem menciona o título.

A Folha de S.Paulo sequer lembrou sua fase final como escritor e militante da causa maçom. Nenhum dos três jornalões deu-se ao trabalho de examinar os tais "calhamaços" mencionados pelo Estadão, editados pela Record, uma das mais importantes editoras brasileiras.

A criação do rock rural pode ser importante para a maioria dos nossos jornalistas, mas a trilogia de Zé Rodrix é um formidável esforço no campo das religiões comparadas, libelo contra a Inquisição e contra a intolerância religiosa da qual a maçonaria foi uma das vítimas. Zé Rodrix merecia obituários mais verazes. Os que foram publicados, infelizmente, são os que vão ficar.

Contra a intolerância

Por que esta pressa em sepultar uma grande figura com um obituário tão medíocre, inepto? Não seria melhor uma pequena notícia e no dia seguinte, com mais tempo, um retrato mais verdadeiro e mais digno do falecido? Na imprensa anglo-saxônica, os obituários são escritos por grandes escritores, peças lítero-jornalísticas impecáveis, na realidade biografias que se diferenciam das propriamente ditas apenas por que são acionadas pela morte do protagonista.

No Brasil não há espaço, nem tempo, nem ânimo para celebrar os desaparecidos. A cultura da fama associou-se à leviandade congênita e estabeleceu paradigmas ainda mais funestos do que a morte, porque mata o morto pela segunda vez subtraindo o valor da sua existência e das suas idéias.

Embora nosso primeiro jornalista, Hipólito da Costa, tenha sido maçom, poucos jornalistas sabem exatamente o que significa a franco-maçonaria, o papel que desempenhou na história das idéias e da política. Quando viram que Zé Rodrix era maçom, imaginaram algo parecido com o misticismo basbaque de Paulo Coelho ou o esoterismo hollywoodiano de Dan Brown.

Convém não esquecer que as comemorações pelos 200 anos da imprensa brasileira foram embargadas pela própria imprensa justamente porque o seu fundador era maçom. Zé Rodrix indignou-se quando soube desta pilhagem histórica.

Ao mesmo tempo em que condenava o uso do dinheiro do contribuinte para financiar emissoras de TV (não as distinguia, colocava todas no mesmo saco), investia galhardamente contra a intolerância religiosa, mãe de todas as perversidades.

Zé Rodrix não merecia morrer, nem merecia tão canhestras homenagens.

Comentários

Anônimo disse…
Há bastante tempo atras,descobri por acaso o fato de que o Zé Rodrix era maçom,quando li um dos seus escritos.
Me chamou atenção o fato de que ele tambem criticava muitos erros associados a maçonaria ,e principalmente a mediocridadede de membros que se utilizazavam da maçonaria.(principalmente politicos).
Talvez essa seja uma das causas para ele não ser adequadamente homenageado.
Láz disse…
Tive uma visão simbólica as 7, ao acordar. As 8, recebi a notícia. E das 8:30 as 10:30 escrevi - ou minhas memorias e emocoes escreveram por mim - o texto a seguir

http://migre.me/1pw4

Com os links e algumas correcoes após o velório, virou uma mini bio, despretensiosa, porem bem mais à altura desse "lado" do Ze do que quase tudo o que se escreveu.

Aspas em lado pq o Z era socrático, sua filosofia era sua própria vida, e isso que a imprensa ignorou nunca foi um "lado", mas sim a mesma essência que estava presente desde a qualidade de vida de casa no campo, na critica a falta de etica e deixa assim de Soy Latino, na sabedoria de Mestre Jonas e até nas letras dos jingles: liberdade é uma calça velha azul e desbotada (ustop), separar sexo de gênero e falar "de mulher pra mulher" (Marisa), só tem amor quem tem amor pra dar (pepsi), e o contraponto do narcisismo x autoconhecimento em "enquanto o mundo perde a forma, eu Me encontro em mim - e é assim que eu SEMPRE vou seguir meu coração" (Chevrolet)

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