Opinião

Nova derrota diplomática

Editorial do Estadão
O governo sofreu mais uma derrota diplomática com o fracasso da candidatura da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), a um posto no Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC). O grande obstáculo à nomeação da ministra foi seu desconhecimento das leis do comércio internacional. O vencedor da disputa, o mexicano Ricardo Ramírez, é um reconhecido especialista no assunto. Tem experiência em julgamentos de questões comerciais e escreveu numerosos artigos sobre o tema. A vaga em disputa havia sido ocupada durante oito anos por um brasileiro, o professor Luiz Olavo Baptista, titular de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O despreparo da ministra não era segredo, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu apoiar sua pretensão. A campanha a favor da candidatura ficou a cargo do Itamaraty.

Mais uma vez o governo brasileiro fez a aposta errada. Noutras ocasiões foi derrotado por haver entrado na disputa no momento inadequado ou por haver calculado mal o apoio de outros governos. Em 2005, o Brasil foi batido nas eleições para a Direção-Geral da OMC e para a Presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Nas duas ocasiões, os candidatos brasileiros não tiveram votos nem dos países vizinhos nem de seus aliados "estratégicos". Em 2008 a derrota foi na corrida pela chefia da Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Neste momento, o Itamaraty está comprometido com a candidatura do ministro da Cultura do Egito, Farouk Hosni, à direção da Unesco. Ao tomar essa decisão, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, preteriu um candidato brasileiro com grande prestígio internacional, Márcio Barbosa, para endossar a pretensão de um homem considerado antissemita e famoso por haver prometido queimar livros em hebraico, se os encontrasse em bibliotecas de seu país.

No caso da ministra Ellen Gracie, a escolha envolveu um evidente erro de pessoa. Os predicados intelectuais da ministra não incluem o preparo para julgar disputas de comércio internacional. O Órgão de Apelação da OMC é uma espécie de Corte Suprema. Entra em cena quando há recurso contra decisões do Órgão de Solução de Controvérsias. Sua missão é rever essas decisões e, se for o caso, alterá-las. As questões podem ser muito intrincadas, sua solução requer muita competência técnica e com frequência envolvem negócios de muitos bilhões de dólares.

A candidata Ellen Gracie não foi derrotada numa disputa normal entre dois ou mais pretendentes com qualificações mais ou menos iguais. Seu despreparo para o posto foi evidenciado numa arguição realizada por uma banca presidida pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. O resultado desse exame foi informado ao Itamaraty. Mas o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, não quis aceitar os fatos. Segundo informou um assessor, teve uma "conversa dura" com Lamy e manifestou-lhe a decepção do governo brasileiro pela rejeição da ministra Ellen Gracie.

O Itamaraty não se limitou a fazer campanha a favor de uma candidatura inadequada. Tentou defendê-la com argumentos patéticos. Essa candidatura, segundo o Ministério das Relações Exteriores, refletia a importância atribuída pelo governo brasileiro ao Órgão de Apelação e a seu trabalho em defesa do sistema multilateral de comércio. Além disso, o despreparo técnico da candidata foi apontado como uma vantagem, porque isso lhe permitiria - segundo a alegação - examinar os temas sem preconceitos. Qualquer dos dois argumentos bastaria para caracterizar desconsideração e desrespeito à OMC.
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