Coluna da Segunda-feira

Lutar com palavras

Rui Grilo
O compromisso com os possíveis leitores chega a ser uma tortura. A semana inteira fico pensando no que vou escrever. Uma idéia que me surge são os livros que me impressionaram, que influenciaram a minha maneira de agir e de pensar. Se conseguíssemos conquistar o aluno para a leitura, grande parte dos problemas educacionais já estariam resolvidos. Essa percepção foi reforçada pela recente pesquisa efetuada pelo PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil, que voltarei a comentar neste texto.

Quando penso nos livros que li, imediatamente surge “AS VINHAS DA IRA”. Por este romance, escrito em 1929, John Steinbeck ganhou o Prêmio Nobel em 1962. Essa obra, escrita por um americano há tanto tempo, tem o poder de nos aproximar, de sentir e de entender a luta do MST no Brasil.

Em seguida, vem uma série de diários de jovens: “O Diário de uma Jovem”, de Anne Frank; “O Diário de Zlata” e “Esmeralda – Porque não dancei”. O primeiro, mostrando o olhar de uma menina judia durante a Segunda Guerra Mundial; o segundo, também um olhar de uma menina sobre a guerra da Bósnia; e o terceiro, de uma menina, ex-moradora e ex-drogada da Praça da Sé.

Esmeralda diz:

“Quando comecei a escrever, percebi que isso estava ajudando a organizar na minha cabeça tudo que tinha acontecido na minha vida”.

Para escrever é preciso ter o que dizer e encontrar uma forma. É preciso fazer uma leitura de suas vivências e selecionar o que é significativo. Quando uma pessoa tem um repertório de leituras de outros autores, vai comparando-a com a própria experiência, que na verdade é a sistematização de um conhecimento aprendido e incorporado.

Estava nessa reflexão quando tive contato com a revista Época nº 574, que apresenta alguns dados interessantes da pesquisa efetuada pelo PNUD e que envolveu cerca de 500 mil brasileiros, os quais deveriam responder a seguinte questão:
o que precisa mudar no Brasil para sua vida melhorar de verdade?

Em todos estados foi apontado a educação, variando de 17% em Sergipe e Mato Grosso do Sul, e 25% no Amazonas.

Como as perguntas eram abertas e podia ser apresentada mais de uma resposta, chamou a atenção dos pesquisadores a grande relação entre a educação e a necessidade de transmissão não apenas de conhecimentos, mas também de valores como respeito, ética, justiça, dignidade e carinho. Uma das participantes deu a seguinte resposta:
“...é na educação que começa tudo. Com mais investimento na educação, teremos menos violência, mais empregos e saúde.”

Segundo Flávio Comim, economista sênior do PNUD e coordenador do relatório, as respostas encaminham para as seguintes conclusões: que o poder público está muito distante para ouvir quais são as verdadeiras necessidades dos cidadãos e, que se chegasse mais perto, saberia que o Brasil precisa de mais civilidade.

Para Simone André, coordenadora da área de juventude e educação complementar do Instituto Ayrton Senna, a sociedade está sintonizada com a realidade ao perceber que as esperanças da sociedade não estão apenas na razão, na ciência e na tecnologia mas na formação de valores.

Para mim, está mal colocada a questão apresentada no texto, de que uma escola que não dá conta de alfabetizar e de transmitir conhecimentos matemáticos teria dificuldade em assumir mais uma tarefa - a transmissão de valores – porque isso ocorre simultaneamente na relação entre o educador e o educando no processo de alfabetização. Não é necessariamente um valor verbalizado e consciente.

As informações e conhecimentos estão em todo lugar, à disposição através dos mais diferentes meios: por contatos pessoais e pelos mais diferentes meios de comunicação de massa (rádio, jornal, internet, tv...), mas as atitudes se formam mais pela cópia ou rejeição de modelos com os quais a pessoa mantém uma relação afetiva.

Entendo como alfabetizado uma pessoa que é capaz de compreender diferentes tipos de textos. Então, não existe alfabetização sem acesso a textos de literatura. Ao trabalhar com a ficção e a imaginação, a pessoa se desarma e se livra das pressões do aqui e agora. Quando alguém está lendo um romance, ao mesmo tempo em que amplia o vocabulário, que assimila o modo como as palavras se organizam para formar uma frase e um texto, vai relacionando as atitudes do personagem com as suas, aprovando-as ou rejeitando-as. Assim, através do outro, vai vivenciando as dificuldades e barreiras, as estratégias para vencê-las e as conseqüências das decisões assumidas.
Então, quando lemos, ao mesmo tempo em que ampliamos nossos conhecimentos, vamos encontrando orientações para as nossas ações. Assim, vamos formando nossos valores e nossa personalidade.

Parece que, cada vez mais ganha corpo a proposta de formação de leitores como uma das estratégias para melhorar a vida e melhorar a sociedade. Daí a instalação de bibliotecas em locais de grande concentração de público, como o metrô, e em praças através de bancas e ônibus adaptados. Ampliam-se cada vez mais eventos como a feira de literatura de Paraty e de Passo Fundo, os saraus em bares da periferia... E o melhor de tudo isso é que são atitudes que partem da própria população.

Um dos frutos desse esforço é que a média de livros lidos por pessoa aumentou.

Ainda há luz no fim do túnel!
Rui Grilo

ragrilo@terra.com.br

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