Opinião

O que o ministro tem a fazer

Editorial do Estadão
À saída de uma conversa de 45 minutos com o presidente Lula, na quinta-feira, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, negou que tivesse condicionado a sua permanência no governo a alguma iniciativa do chefe contra os colegas que, segundo ele, combinavam uma coisa no Planalto e depois iam ao Congresso, "cada um com a sua machadinha, patrocinar emendas que esquartejavam e desfiguravam a legislação ambiental" - a razão do seu pedido de audiência a Lula. Conforme seu relato, Minc lhe teria dito que vem sendo "traído diariamente" por políticos governistas e autoridades do Executivo. Fazendo jogo de palavras, contou ter alertado o presidente para a "perda de sustentabilidade ambiental e política" de sua Pasta. Ele teria respondido que "não vai permitir que a área seja enfraquecida".

Minc está no governo há pouco mais de um ano. Tempo de sobra para se certificar por experiência própria de uma realidade à vista de todos: o que Lula não permite, nem vai permitir, é que as considerações ambientais interfiram com o crescimento da economia, a modernização da infraestrutura e os interesses organizados que integram o esquema que assegura a "sustentabilidade política" do lulismo. Com os seus aliados ou companheiros de viagem em postos-chave na máquina federal, o presidente forma o que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso costumava chamar "anéis burocráticos" - estruturas de poder que se articulam em torno de alvos comuns. Esses são fatos objetivos, quaisquer que sejam os juízos que se façam a seu respeito.

O ministro do Meio Ambiente é espalhafatoso, boquirroto e pretensioso - mas não é obtuso. Por isso, era de esperar que soubesse, em primeiro lugar, que se queixar ao presidente de outros ministros e queixar-se ao bispo é a mesma coisa. Lula simplesmente não tem apetite para arbitrar desavenças entre membros de seu Gabinete. Por exemplo, deixou o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, criticar publicamente - e tentar sabotar - o seu colega da Fazenda, Antonio Palocci, embora apoiasse a sua atuação e as diretrizes da sua política macroeconômica. No caso de Minc, já não bastasse a aversão de Lula por bolas divididas, ele ainda se alinha com o outro lado, representado pelos ministros da Agricultura, Minas e Energia e Transportes - para não falar da sua candidata à sucessão que chefia a Casa Civil.

Quando assumiu, Minc teria motivos para imaginar que o que afinal derrubou a antecessora Marina Silva, depois de cinco anos de batalhas inglórias, foi o seu ambientalismo puro e duro, combinado com um temperamento que a levava a equiparar negociação a capitulação. Já ele, Minc - apesar das bravatas, da verborragia e dos lances de picadeiro -, acreditava que venceria pelo entendimento os confrontos que a intransigência de Marina a fez perder. O ministro subestimou, no entanto, o dado principal - o fator Lula. Por mais que lhe convenha fazer praça da defesa do ambiente em um mundo onde isso adquiriu nos últimos anos uma urgência e uma importância sem paralelo, no íntimo ele nunca hesitou entre economia e ecologia.

Desenvolvimentista à moda antiga, Lula tem escassa paciência com a fronda do verde. Acredita genuinamente que o problema da mudança climática deve ser resolvido pelos que a fabricaram - as grandes potências - sem inibir o crescimento dos países periféricos. Acredita também que a Amazônia deve ser protegida antes de mais nada da cobiça estrangeira e que a melhor forma de fazê-lo é expandir ali as forças produtivas, com o benefício (que para ele conta acima de qualquer outro) de dar emprego aos seus 25 milhões de habitantes. Podendo-se alcançar essa meta de forma sustentável, decerto raciocina, tanto melhor. Do contrário, siga-se adiante. Por pensar assim, respalda a coalizão de interesses que, no governo e no Congresso, combate as exigências ambientais para a atividade econômica, a abertura de estradas e a construção de hidrelétricas.
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