Análise

Uma visão da crise

Ernesto F. Cardoso Jr.
Economista e MBA
Muito se tem escrito sobre a profunda crise econômica, de certíssimas consequências sociais, pela qual o mundo, em grande parte, está passando. A enunciação da seqüência de eventos que desembocaram nesta crise oferece um entendimento parcial da questão: origem, evolução e suas correlações. É deficiente, todavia, por não explicitar objetivamente as causas.

A aproximação desta crise, provavelmente, não com a total consciência de sua magnitude, já estava sendo apontada por vários economistas, há alguns anos. Paul Krugman, economista colunista do New York Times, Professor da Princeton University, ganhador isolado do Prêmio Nobel de Economia de 2008, já em seu livro publicado em 1999 “O Retorno da Depressão”, analisando as crises da Ásia e da América Latina e em artigos posteriores, alertava os Estados Unidos sobre o paralelismo da situação que se afigurava com os eventos que causaram a Grande Depressão dos anos 30: a bolha especulativa da Bolsa de Valores; a bolha especulativa imobiliária; o aumento descomunal dos preços das matérias primas; a desenfreada extensão dos financiamentos “sub-prime” (de menor lastro creditício); o desequilíbrio crônico na balança comercial americana; o aumento estratosférico da dívida pública, enfim, tudo que a qualquer outra economia ditaria sua falência, mas, que a era de pujança jamais experimentada da economia mundial e da americana na ponta, sustentada pela confiança do mundo em sua moeda, em suas instituições, em seus títulos da dívida pública e acima de tudo em seus governos (jamais praticaram “default” – “calote”), pareciam torna-la infensa aos efeitos previsíveis de uma situação de tamanho descalabro. No conceito de economia de livre mercado, tão a gosto dos republicanos e liberais que estavam dirigindo a economia dos EUA, pela própria mecânica do processo todos estes exageros e/ou desequilíbrios deveriam vir a ser naturalmente corrigidos.

Na teoria e mesmo na prática, isto deveria ter ocorrido. Não se observou bem, todavia, de que tipo de mercado se estava tratando. Não era o mercado comum de bens de consumo. Este mercado, historicamente, quando deixado a funcionar livremente encontra seus pontos de equilíbrio, no médio e longo prazos. O mercado que originou a crise atual é de outra natureza. É o mercado de papeis de operações de liquidação futura com vistas, neste caso, à gestão do risco creditício imobiliário, oferecido e consumido por poucos operadores de alta sofisticação e poder financeiro e cujo lastro real mostrou-se deficiente, submetidos que foram ao poder especulativo desses operadores, proporcionando lucros rápidos e significativos, atuando sem controle externo, exceto de auditorias privadas que se mostraram relapsas. O mercado desses papéis chamado de derivativos, por serem facilmente desdobráveis e multiplicáveis, até para a diluição do risco que carregavam, cresceu e espalhou-se como a erupção de um vulcão, infectando outras economias e o sistema financeiro globalizado,tornando-se o estopim da crise. Basta notar que metade desses papeis foi repassada a instituições financeiras estrangeiras. Seus preços inflacionados, todavia, não guardaram relação com o valor intrínseco atualizado dos bens duráveis que representavam. Eram fruto de incontrolada especulação. A bolha imobiliária que catapultara os preços dos imóveis às alturas, começou a despencar, inicialmente, pela subida dos juros, após a retomada do crescimento a partir da crise do 11 de setembro de 2001. Isto gerou crescente inadimplência. Concomitantemente, o aumento da oferta de imóveis para capitalização dos lucros auferidos agiu reduzindo ainda mais os preços inflacionados. Com isto o lastro dos financiamentos “subprime” evaporou-se, pois, eram ancorados, fortemente, nos preços crescentes dos imóveis. As instituições financeiras que os emitiram e/ou adquiriram, tiveram de assumir sua desvalorização, ocorrendo prejuízos contábeis monumentais que tiveram de ser transformados em perdas financeiras reais, os chamados créditos podres. Uma verdadeira corrente falsa de felicidade, um castelo de cartas, ruiu. Como sempre, nestas correntes, poucos amealharam fortunas, mas, o grande público faliu. Proprietários perderam seus imóveis e grande parte, quando não todo o montante investido. A economia foi contaminada e o valor das ações na Bolsa acompanhou a queda do valor dos ativos dessas empresas. Veio a perda dos empregos e a inadimplência espalhou-se aumentando a intensidade e velocidade da recessão econômica. A real locomotiva econômica do mundo parou de move-lo. Seu carvão - o consumidor americano, apagou-se.

Os Democratas, em bom tempo, assumem o governo com Barack Obama. Como bem enunciou o novo Presidente: “não está mais em questão se o governo é grande demais, ou pequeno. Importa é que funcione”. Pragmatismo puro e bem vindo, pois, nesta hora o governo tem de assumir o papel do carvão apagado, como já ensinara Lord Keynes, cujo conjunto de medidas preconizadas para a crise de 1930 tomam seu nome - Teoria Keynesiana, medidas necessárias para salvar uma economia da recessão e/ou depressão. Todavia, a estatização dos bancos e das empresas de crédito que já ocorreu e a seguir das indústrias, são medidas que vão além do preconizado por Keynes. São tão grandes, atualmente, as necessidades financeiras para a recuperação dessas entidades, tecnicamente falidas, que não resta ao Estado outra alternativa. Por isto, a crise atual está sendo considerada muito maior e profunda do que a dos anos 30. O impacto real no desemprego ocorrido até agora, estatisticamente ainda inferior ao da depressão dos anos 30 (cerca de 25%), é mascarado pela maciça industrialização ocorrida desde então. Neste momento a crise se aprofunda pela quebra da confiança, pela redução dos investimentos, pela queda do consumo interno, pela queda das exportações, pelas cadentes receitas tributárias e pela resposta ainda ineficaz às medidas econômicas tomadas.

Em suma, a valorização fictícia e descontrolada dos chamados derivativos, foi a inflação que o Federal Reserve - o Banco Central americano não viu, pois, não era de sua jurisdição. È, todavia, inflação real, identicamente corroedora dos valores. Por isto, preconiza-se que a economia americana jamais voltará a ser a mesma. A expectativa, ao contrário do que apregoa a esquerda ideológica, não é o fim do capitalismo, mas o seu ressurgimento em bases mais sólidas e menos liberais. Os princípios fundamentais do capitalismo não estão em cheque. O que está em cheque é a confiabilidade de instituições privadas e públicas, cujos agentes agiram com despudor criminoso na sofreguidão do lucro fácil e no menosprezo de alertas que teriam de ter sido ouvidos. Em qualquer economia, de mercado ou não, o resultado seria o mesmo. Foi o abandono individual de valores éticos e morais, no contexto do profissionalismo exigível, que levou o mundo a esta crise. Serão melhores os nossos valores?

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