Ubatuba

O tiê

Sidney Borges
Um baque surdo numa das janelas da sala atraiu minha atenção e a de meu cão. Pancada seca. Olhei através do vidro e vi um magnífico tié-sangue. Estava na folhagem onde nascem as flores vermelhas que parecem bolas peludas, daquelas que enfeitam meias e chapéus. Cheguei perto e o tiê não voou. Coisa rara! Estava apreensivo, visivelmente agitado. Alguma coisa fez com que não fugisse, superou seu instinto de sobrevivência. Tem razão de ser a cautela do tiê. Há milhares de anos os homens o caçam pela beleza das penas. Ironia dos deuses, a beleza tão almejada pelos mortais é a causa da desgraça desse arisco pássaro. Súbito percebi agitação na folhagem. Como sou observador de aves compreendi tudo. Estamos no inverno, mas é como se fosse primavera, as árvores estão cheias de flores. A primavera branca que tenho no jardim estava entrando pelo telhado. Foi podada há uma semana. Já está coberta de folhas novas, quase dá para vê-las crescendo. Pois foi nesse clima de renovação que o tiê encontrou uma companheira. Suponho que estavam procurando local para o ninho quando a ilusão de óptica provocada pelo sol das onze horas fez com que ela não notasse o vidro. Deu-se então o choque que provocou o baque surdo que citei no início. Cuidei de deixar meu cão isolado do local do acidente e logo encontrei a donzela de penas se debatendo. Peguei-a cuidadosamente. Senti a sua vibração vital nas mãos. Atordoada e sem entender o que estava acontecendo ela pareceu ter gostado do calor envolvente. Como socorri outros pássaros na mesma situação eu sabia que o atordoamento duraria alguns minutos. Ela voaria novamente, suponho que com dor de cabeça e uma provável dose de incerteza sobre o espaço e sua consistência. Coloquei-a em um ponto alto do muro, perto da palmeira que há na frente da casa e de longe fiquei observando o macho circulando à nossa volta. Senti um imenso carinho por ele, estava lutando pela companheira. desejei sorte e enviei uma mensagem telepática tentando acalmá-lo: - fique tranqüilo amiguinho, ela logo estará ao seu lado nos céus. Durante alguns minutos a moçoila permaneceu repousando enquanto ele voava nervosamente de um lado para o outro. Finalmente pousou ao lado dela. Trocaram afagos e decolaram rumo à Mata atlântica dos Micos-leões dourados. Tenho a impressão que antes de ir o tiê me agradeceu. Deve ter sido impressão, pássaros não fazem essas coisas. Mas amam, disso eu tenho certeza.

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