Crônica

O carniceiro esotérico

Marcelo Mirisola *
A propósito da captura de
Radovan Karadzic, lembrei de uma crônica que escrevi faz quatro anos. Então resolvi fazer um bem-bolado. Isto é, inserir e reproduzir trechos daquele texto neste daqui, e – no embalo – fazer outras considerações a respeito do mesmo tema. Entre essas considerações, posso apontar uma urgência: quero dizer que o personagem Dragan Dabic, encarnado por Karadzic, definitivamente completa a crônica, faltava ele.
Vamos lá. Radovan Karadzic, ou Dragan Dabic, deve freqüentar um nível espiritual mais elevado que o meu. Ele e a maioria de bruxinhas franqueadas e picaretas que devem IPTU e que são vegetarianos, e que, por um lado, inspiram e expiram (e suspiram) na hora de poupar porcos, vacas, aves e peixes e que, por outro, não estão nem aí na hora de massacrar bípedes muçulmanos da mesma espécie. Não deixa de ser curioso. A sentença dessa gente espiritualizada é a evolução. E, com uma ou outra variante, quem lê Dos¬toiévski e freqüenta churrascarias precisa ser descartado da face de Gaia ou “aprimorar-se enquanto ser humano”. Um longo caminho evolutivo que começa – segundo esses iluminados – por uma reeducação alimentar... depois vem ioga, feng-shui... e suruba com a sua mulher.
Gaia, né? Tô sabendo.
Radovan Karadzic é acusado pela morte de 8 mil mulçumanos em Srebrenica. Também é responsabilizado pelo cerco de 43 meses a Sarajevo, no qual mais de 11 mil pessoas morreram em decorrência da violência e de fome. Karadzic é um sensitivo. Do tipo evoluído que consome alfajores de soja e usa chapéu panamá; muito provável que ele também seja chegado num incenso fedorento. Porque eu, que adoro uma rabada, é que não suporto o cheiro dessas fumacinhas. Se a intenção é afastar coisas ruins, comigo funciona. Onde tem incenso, eu dou o pinote. Devo mesmo ser uma peste: “Oh, que nojo! Você come cadáver?!”
Sim, um porquinho todo sábado, e adoro roer os ossos chamuscados de uma chuleta. Mesmo porque seria impossível mastigar um boi se ele estivesse vivo. Mas asseguro que no meu cardápio – diferente do menu de Dragan Dabic – não entra acém de muçulmano.
Rita Lee (ou seria o Serguei?) – que é engajada no vegetarianismo, e acha que os consumidores de lombinho de porco deviam queimar nos quintos dos infernos – deve simpatizar com as idéias do carniceiro de Belgrado.
Dragan Dabic escrevia numa revista chamada Zdrav Zivot (Vida saudável). Vejam só os ensinamentos do mestre: “Ainda que não possamos mudar intencionalmente as funções autônomas do nosso corpo, podemos influenciá-las indiretamente através dos itens que introduzimos no nosso corpo, como comida, bebida, cenas, sons ou aromas. Mas a maior influência sobre os acontecimentos dentro do nosso corpo são nossos pensamentos e sentimentos. Se algum dos artefatos acima mencionados é ruim, os processos da vida dentro de nós serão também ruins”.
“Os itens que introduzimos em nossos corpos” – eis as palavras de Dragan Dabic, o guru. Fico pensando. Mais de 20 mil mulheres bósnias foram estupradas: que “itens” será que os milicianos de Karadzic “introduziram” no corpo dessas mulheres? Creio que a velha roqueira assinaria embaixo do pensamento iluminado do carniceiro de Belgrado. O que são 20 mil mulheres estupradas diante da dignidade das alfaces e mandioquinhas hidropônicas? Imaginem o bafo de aviário da roqueira... o bafo de morte inspirado lá das profundezas do seu espírito evoluído. Dá medo.
Antes de continuar, quero deixar bem claro que a aproximação que faço da roqueira brasileira com Karadzic – evidentemente – não tem o menor cabimento, é um exagero propositado. Talvez até atinja a mesma proporção do monte de merda que ouvi dessa gente alternativa nos últimos anos. Eu sempre desconfiei deles. E agora esse Karadzic me aparece falando em meditação, em experiências extra-sensoriais? O nome da revista que ele escrevia, repito: “Vida Saudável”. Além de genocida e terapeuta holístico, debochado.
Isso tudo me remeteu a bicho-grilice de Visconde de Mauá. Senti calafrios na espinha só de pensar naquelas cachoeiras e nas “comunidades” que existem por lá. Quem me garante que por trás de papais noéis bonachões e batas insuspeitas, além da patrulha e da cagação de regras típicas, não se escondem assassinos da pior espécie, degenerados disfarçados de pacifistas? Inspire, expire, interaja, ame e dê vexame, e depois estupre as mulheres perfumadas e elimine essa gente que freqüenta espetos corridos.
Bem, agora vou falar umas coisas que irão chocar muita gente. Não estou me agüentando, peguei no embalo, entendem?
Seguinte. Para mim, os irmãos Gasparetto recebem os espíritos por via anal e, se o Chico Xavier fosse mesmo um santo, não teria passado a vida inteira usando aquela peruca ridícula. Tem mais. Não acredito em beatos e iluminados que respiram o mesmo ar poluído que eu respiro. Isso aqui, aliás, a tal de Gaia, não é lugar para esse tipo de excentricidade. Vai ser santo depois de morto, e não me encha o saco. Não acredito em mulheres com sovaco peludo, espaços alternativos, elfos, sílfides (que são as fêmeas dos silfos, ou gênios do ar) e feng-shui. Também desconfio dos poetas – especialmente daqueles que perguntam: “Gosta de poesia?”
Até que gosto, meu problema é com os poetas. Odeio, odeio poetas. Teve uma época, na minha pré-adolescência, em que eu gostava da Rita Lee. Um amigo meu e escritor, o Nilo Oliveira, esclareceu-me a situação: “Quando a gente tem 12 anos”, disse, “até o Caetano Veloso é um gênio”.
Isso sem falar nos mapas astrais & origamis, nos malditos chacras, no I-Ching e na confusão que esses naturebas fazem com budismo, alfafa, hinduísmo ou qualquer coisa que dá barato e não tem pé nem cabeça. Desconfie quando a Regina Casé citar um pensamento do Dalai Lama, saia de perto quando a Rita Lee estiver de cócoras, decerto ela vai soltar algum presságio depois do peido. ¬
Essa gente é constrangedora. Tem uns que nem disfarçam; organizam-se em ONGs, feirinhas desen¬canadas e embalam o tal do tai chi chuan... na frente das crianças! Sou a favor – nesses casos e no caso de esfihas de frango – do porte de arma, meu espírito é de porco com ascendente na casa do chapéu. Aliás, para fazer previsões, não preciso de runas, nem bola de cristal. Alguém duvida? Então aqui vai: num futuro não muito distante, as churrascarias vão ser lacradas como foram os bingos, e os consumidores de cupim serão perseguidos e execrados como se fossem... vejam só... fumantes. E os camelôs venderão células-tronco na Pça. da República. Assim, as lésbicas finalmente se transformarão em travestis passivos, com direito a um pinto e a duas bolas penduradas no saco.
E a história de São Cipriano? Alguém conhece? Seguinte. O sujeito passou a vida inteira fazendo lobby para o capeta. Um dia, porém, as ofertas do maligno não corresponderam às demandas de sua insensatez. Ou seja, o diabo não deu conta do recado. Aí Cipriano virou casaca e trocou de senhor. Simples, né? O que era macumba virou milagre. Troca de interesses. Quem tiver curiosidade e quiser dar umas risadas, basta dar uma olhada no Grande livro de capa e aço. Tem uma receita que Paracelso dá para criar homúnculos a partir de cocô de gato. Uma boa dica para a dona de casa apimentar seu relacionamento, junto com a dança do ventre.
Hoje, Cipriano é santo da igreja católica com todos os alvarás e certidões negativas. O tipo da coisa (o câmbio) que serve para tudo nessa vida, desde a mulata bilíngue que se oferece no calçadão da boate Help em Copacabana (o maior puteiro a céu aberto da América Latina que está ameaçado de extinção... querem colocar um museu de arte contemporânea no lugar, isto é, trocar seis por meia dúzia) até o pobre coitado vítima de sua caridade. Vale dizer: a paisagem é a mesma. A esmola é a mesma. A canalhice e a santidade andam de mãos dadas.
Espero que Karadzic pague pelos seus crimes, e nunca é demais lembrar que Hitler e Jesus Cristo (que sempre andou, e continua andando pessimamente acompanhado, “amém, irmão”?) também eram vegetarianos. Ainda bem que Rita Lee e Fernanda Young saíram do “Saia Justa”. Isso me faz acreditar que Deus existe. Axé e picanha mal passada para vocês.
*Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.

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