Opinião

Os riscos da banalização do poder de mando

José Nêumanne
Um livro capital para o entendimento do século 20 é Eichman em Jerusalém - Relato sobre a banalidade do mal, de Hannah Arendt. Escalada para cobrir para uma revista americana o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichman, raptado pelo Mossad na Argentina e conduzido à força para Israel, ela argumentou que o mal de nosso tempo não é produto de impulsos infernais, mas da indiferente rotina burocrática de nossa vida. Eichman não era um monstro, mas um burocrata comum, interessado exclusivamente em se dar bem na vida.

Neste século 21, em que os homens de bem vivem sob o domínio do medo do que os burocratas do mal lhes possam fazer, a democracia subordinada à matemática das pesquisas de opinião banaliza o mando. Foi-se o tempo dos grandes projetos políticos, dos estadistas que planejavam para as gerações seguintes. Hoje todos se preocupam apenas em ganhar as próximas eleições, pouco se lixando para o que deles dirão os pósteros. Isso é verdadeiro para o mundo inteiro, mas em poucos lugares é tão óbvio quanto nestes nossos tristes trópicos. E uma evidência escarrada dessa verdade elementar é a tal da Operação Satiagraha, com a qual a Polícia Federal (PF), o Ministério Público e um juiz de primeira instância garantem ter desbaratado uma quadrilha de criminosos de colarinho branco e da qual alguns sumos pontífices do igualitarismo a qualquer custo querem tirar proveito político.
O espetáculo das prisões do banqueiro Daniel Dantas pela PF, atendendo a solicitação do procurador Rodrigo de Grandis acatada pelo juiz federal Fausto De Sanctis, e dos dois habeas-corpus concedidos pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, tem sido composto com cenas de opereta bufa. Sem pretender emitir juízo de valor sobre eventuais crimes cometidos, ou não, pelo acusado, urge alertar para a possibilidade de essa farsa se tornar uma tragédia para o Estado de Direito que a sociedade brasileira conseguiu a duras penas após a vigência da Constituição de 1988. Malhar o presidente do Supremo como um Judas em Sábado de Aleluia, lançando no ar suspeitas sobre seu gesto, faz parte da guerra política. Contestar a instituição do habeas-corpus para fazer demagogia, como faz o líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT), é uma vilania leviana.
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