Cotidiano

Causos

Sidney Borges

Os punhos fechados, a testa franzida, a boca cerrada dando a impressão que os dentes a qualquer instante estilhaçariam lançando cacos como se fossem fragmentos de granadas. O passo era rápido, ele bufava, a mim lembrou o trem da Central do Brasil que vez ou outra apitava perto da casa da minha tia Maria. As pessoas olhavam pelas frestas das janelas e portas entreabertas. Ele estava possuído. Foi o que disse a vizinha carola. Propôs chamar o padre, ela adorava o padre. Não sei bem o desfecho, mas ouvindo conversas de adultos aqui e acolá eu soube que tinha alguma coisa a ver com um motorista de caminhão. Homem gentil que dava flores para as mulheres. Augusto sumiu por algum tempo, disseram que foi passar uns dias em Campos do Jordão. Voltou calmo. O motorista continuou gentil, mas por precaução nunca mais estacionou nas imediações. Meu tio Lando que era culto disse uma frase em latim a propósito do fato: ira furor brevis est. Nunca me esqueci, quer dizer: a cólera é uma loucura passageira. Acho que a frase é de Horácio. No ano seguinte a mulher de Augusto fugiu com o motorista do caminhão. Há quem diga que ele não aprendeu nada com o primeiro aviso, nunca levou flores, jamais fez um chamego, não procurou ser gentil. Ficou a ver navios

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