Opinião

A exportação de urânio

O Estado de S.Paulo - Editorial
Um dos países mais ricos do mundo em urânio, o Brasil possui atualmente, segundo a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), 310 mil toneladas de reservas conhecidas do mineral e não deseja transformar-se em exportador apenas da matéria prima, mantendo-se como importador do concentrado para suprir as necessidades de suas usinas nucleares. Embora não haja confirmação oficial, tudo indica que têm fundamento as informações de que o País já iniciou negociações para futuras vendas de urânio enriquecido para a China, Coreia do Sul e França. O objetivo seria agregar valor ao urânio, já que temos a tecnologia para enriquecê-lo aqui, de modo a atender prioritariamente à demanda interna e exportar o excedente para fins pacíficos. Cálculos da INB indicam que, se forem construídas mais seis usinas nucleares no País - quatro delas já estão previstas pelo Ministério de Minas e Energia, além de Angra I e de Angra II -, o consumo interno absorveria 130 mil toneladas. Haveria, pois, uma sobra de 180 mil toneladas que poderiam ser exportadas.

Mas um dos problemas é que o Brasil ainda não resolveu satisfatoriamente a questão da disposição dos rejeitos nucleares e, para chegarmos à autossuficiência em urânio enriquecido, o setor público, já a braços com diversos investimentos pesados, terá de arcar com mais este, dada a própria natureza do empreendimento. E, embora o Brasil seja signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNT) e só pretenda vender o combustível para fins pacíficos, o governo precisa rever sua atitude de não subscrever o Protocolo Adicional ao TNT, para poder ingressar nesse novo mercado. Somente assim seriam evitados questionamentos pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e fortes pressões internacionais.

Ainda que a questão dos rejeitos seja resolvida a médio prazo, o que é duvidoso, a situação fiscal do País impõe limites aos projetos já anunciados, mesmo que, nesse caso particular, à luz do retorno previsto, eles sejam economicamente justificáveis. Estima o Conselho Nacional de Energia Nuclear (Cnen) que o País teria de despender de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões em investimentos, em dez anos, e mais R$ 7 bilhões para cada usina nuclear instalada. Além da entrada em operação da Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), em Iperó (SP), já em fase de testes, será necessária a construção de duas novas unidades da INB em Resende (RJ) para montagem de modernas ultracentrífugas. Esses cálculos não incluem investimentos em transporte de cargas perigosas e muito sensíveis.

Se tudo for feito de acordo com um plano bem estruturado, mercado externo não deverá faltar. Segundo projeções feitas pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), 40% da matriz energética mundial será de origem nuclear até 2027. E, de acordo com estudos da SAE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil poderia auferir uma receita de US$ 1,5 bilhão por ano com venda de urânio enriquecido.

A questão, porém, está longe de ser apenas econômica. A não adesão do Brasil ao Protocolo Adicional do TNT suscita dúvidas sobre o caráter estritamente pacífico da produção e, principalmente, da exportação brasileira de urânio enriquecido. A exigência de inspeções da AIEA, com curtíssimo aviso prévio, como consta do Protocolo, é tida como uma infração à soberania nacional, como se a tecnologia desenvolvida no Brasil apresentasse inovações espetaculares em uma área em que ainda buscamos nos firmar.

A presidente Dilma Rousseff está bem a par de todas essas questões. Ainda na Casa Civil, antes de ser candidata ao Planalto, participou de um grupo de trabalho que discutiu a atualização do Programa Nuclear Brasileiro. E, na mensagem ao Congresso, a presidente afirmou que "fica confirmada a posição do Brasil no seleto e pequeno grupo de países com tecnologia de enriquecimento de urânio". Nada foi mencionado sobre projetos a executar, delineados no governo anterior. Mas a presidente deve estar consciente das responsabilidades que o País terá de assumir.

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