Opinião

A herança da RFFSA

O Estado de S.Paulo - Editorial
Mais de 15 anos depois da concessão para empresas privadas dos serviços de transporte de cargas que prestava de maneira cada vez mais ineficiente para o usuário e mais custosa para o Tesouro Nacional e mais de três anos depois de sua extinção legal, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA) continua sendo um problema sério para o governo.

Consequência de gestões irresponsáveis, a herança deixada pela empresa para a União - isto é, para os contribuintes - atravanca pátios e galpões semiabandonados, na forma de locomotivas e motores que custaram milhões de dólares, mas nunca saíram das caixas em que vieram embalados do exterior. É mais uma prova da gestão ruinosa a que a antiga estatal esteve submetida. Sem dispor de planejamento adequado e sem se submeter ao controle efetivo de suas ações pelo governo, os administradores da Rede - como era conhecida - gastavam muito mais do que podiam. Atualmente, apodrecem ao relento material rodante, como vagões de carga, e outros equipamentos da antiga estatal não absorvidos pelas concessionárias privadas.

Por falta de ação efetiva dos gestores públicos depois da transferência das operações da Rede para empresas particulares, exatamente 52.736 imóveis que eram de sua propriedade e deveriam ter sido vendidos para reduzir o imenso passivo transferido para a União continuam sem destino certo.

Reportagem do jornal Valor constatou que, em um galpão em Campinas, há 48 locomotivas, ainda embaladas em grandes caixas de madeira, adquiridas da França em 1974. São locomotivas elétricas, que deveriam substituir as movidas a combustível derivado de petróleo, cujo preço alcançara níveis recordes - no ano anterior, em represália ao apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kippur, os países árabes elevaram o preço do óleo em mais de 300%. Os modelos já saíram de linha e não servem mais para o País.

A Índia e alguns países árabes ainda usam locomotivas como essas, por isso, o diretor de Infraestrutura Ferroviária do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit), Geraldo Lourenço, admite que esse material pode ser vendido por meio de um leilão internacional. Se isso não der certo, restará vendê-lo como ferro-velho.

Também como sucata deverá ser leiloado 1,3 mil vagões de carga parados nos pátios do Estado de São Paulo. Se conseguir um bom preço, o Dnit, encarregado de administrar o patrimônio ferroviário remanescente da antiga RFFSA, poderá arrecadar o equivalente ao preço de uns 60 vagões novos. Em todo o País, há cerca de 5 mil vagões abandonados. Há também locomotivas sucateadas, tudo para ser leiloado. Na cidade mineira de Cruzeiro, há 231 motores de locomotivas elétricas ainda na embalagem. No inventário do patrimônio legado pela RFFSA, o Dnit encontrou duas caixas de pinos banhados a ouro, para o controle das locomotivas francesas que nunca foram usadas. Essas caixas estão hoje num cofre com bens valiosos que pertenceram à estatal.

Com a extinção da Rede em maio de 2007, a União assumiu os direitos, as obrigações e as ações judiciais de que a antiga estatal era parte, como autora, ré ou interessada. Entre as obrigações está o prejuízo acumulado de R$ 17,6 bilhões, além de 62 mil processos trabalhistas, de que vem cuidando a Advocacia-Geral da União. Entre os direitos transferidos para o Dnit, estão bens móveis e imóveis, operacionais ou não operacionais, boa parte dos quais deveria ser vendida em leilão.

Dos imóveis que integravam o patrimônio da RFFSA, porém, mais de metade foi penhorada pela Justiça para pagamento de dívidas, o que impede sua venda. Outra parte integra uma "carteira imobiliária" administrada pela Secretaria do Patrimônio da União. São casas e prédios alugados por antigos funcionários ou já vendidos para seus ocupantes. Uma terceira parte precisa ser regularizada. É formada por imóveis que pertenciam às empresas que, em 1957, foram unificadas para a criação da Rede.

O descalabro que marcou a administração da estatal parece ter contaminado a gestão do patrimônio que ela deixou.

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