Opinião

A deslealdade da base

Editorial do Estadão
Para o bem ou para o mal, existem limites à capacidade dos governos de fazer o Legislativo dançar conforme a sua música. Isso vale até para o presidente Lula, que fabricou a opulenta coalizão partidária graças à qual detém a maior base parlamentar já registrada na história da democracia brasileira. Os métodos de que ele se valeu para tanto são notórios, assim como as circunstâncias que mais adiante contribuiriam para calcificar o adesismo dos políticos, entre eles não poucos beneficiários do mensalão, ao governante premiado com índices astronômicos de popularidade.

O presidente pode muito, mas não pode tudo. Não pode, por exemplo, impedir os aliados de se entregar aos cálculos de conveniência dos quais dependem, mais do que das benesses do Planalto, as suas expectativas de uma vida política longeva e próspera. Esses cálculos, evidentemente, são de natureza eleitoral. As decisões envolvem a construção de posições de poder nos aparelhos partidários, o acesso a generosos recursos para as campanhas e, ao fim e ao cabo, a recompensa nas urnas. Quando se combinam anos de eleição com questões de interesse direto das forças que os legisladores identificam como determinantes para o seu futuro, a lealdade ao governo é duramente testada.

Viu-se isso com clareza quando a base lulista ajudou a implodir, na votação do marco regulatório do pré-sal, o razoável acerto entre o Executivo e os Estados produtores, a começar do Rio de Janeiro, sobre a distribuição dos royalties do petróleo a ser extraído das novas jazidas. Antes, a Câmara, onde por sinal se concentra a hegemonia do Executivo, havia mudado a destinação de parte dos recursos esperados da exploração nas camadas profundas da plataforma continental.

Agora, a demagogia a custo zero reapareceu em toda a plenitude com a apreciação da medida provisória (MP) editada por Lula em janeiro, depois de negociar com os sindicatos, reajustando em 6,14% os benefícios dos aposentados que recebem mais de um salário mínimo.

Iniciou-se no Congresso uma verdadeira corrida para saber quem conseguiria aprovar o maior índice possível. Sentindo o clima, embora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insistisse em que recomendaria ao presidente vetar qualquer aumento acima do valor original por seu impacto sobre as contas públicas, Lula autorizou o líder do governo na Câmara e relator da MP, o deputado petista Cândido Vaccarezza, a ir a 7% (a inflação de 2009, mais 2/3 da alta do PIB no ano anterior).

Mas os outros líderes da base, de braços dados com os da oposição, anunciaram na quarta-feira que aprovariam o reajuste proposto pelo Senado: 7,71%. "Não podemos ficar com a imagem de que aqui é maldade e lá é bondade", alegou o deputado Henrique Alves, o líder do PMDB, principal partido aliado ao Planalto.

Os aposentados, com o apoio das centrais sindicais, formam um grupo de pressão relevante - eles ganham pouco, votam e as suas famílias também. Poderão preferir esse ou aquele candidato a presidente, mas na hora de votar para deputado serão lembrados de como se comportaram os parlamentares de seus Estados em relação ao que interessa ao seu bolso. Para a oposição, a situação tem duplo sabor: permite agradar aos velhinhos e criar dificuldades para o governo - o que faz a demagogia correr solta. "Dão bilhões para o FMI, para o BNDES ajudar as grandes fusões e não querem dar um aumento que impacta o Orçamento em R$ 3,4 bilhões?", exibiu-se o líder do DEM, deputado Paulo Bornhausen, favorável a um aumento de 8,77%.

Mais divertido ainda foi ouvir a ameaça do deputado pedetista Paulinho da Força, conhecido comensal do Executivo: "Vamos derrotar o governo." Ele diz duvidar que o presidente vete os 7,71%. "Longe de mim fazer uma injustiça", comentou Lula, "mas tenho de levar em conta a disponibilidade do dinheiro que é do próprio trabalhador." A votação na Câmara ficou para o dia 27.
Leia mais

Twitter 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu