Jornalismo e jornais

As reformas e a dança dos fios

Por Carlos Brickmann no Observatório da Imprensa (original aqui)
Faz tempo, muito tempo. Um dia, animadíssimo, um editor contou a Rolf Kuntz, um dos mais equipados jornalistas do país, que o jornal faria uma reforma gráfica. Rolf, entediado, perguntou: "Vão tirar os fios ou colocar os fios?"


As coisas hoje são mais complexas. O título do jornal muda de cor, as páginas, antes artesanais e bem trabalhadas, se contentam com desenhos pré-fabricados, aumenta o número de gráficos, reduz-se o tamanho dos textos ("em busca de maior agilidade e concisão, sem prejuízo do conteúdo analítico").

Nas sucessivas reformas que ocorrem nos principais jornais, muitas coisas já foram obtidas:

1. Vários jornais concorrentes ficaram parecidíssimos uns com os outros;

2. Na busca de textos curtos e ilustrações maiores, no estilo popularizado pelo USA Today, boa parte das publicações ficou com a cara da internet. Se é para ficar com a cara da internet, por que não preferir a internet, que ainda por cima tem som e imagens em movimento, pode ser atualizada a cada minuto e é de graça?

3. A reportagem ficou meio esquecida. Reportagem é uma operação cara, exige movimentação de repórteres, de fotógrafos, de automóveis, consome espaço, leva tempo. É mais fácil unir o Google a alguns telefonemas, tentar adaptar a história àquilo que a pauta prevê e conseguir informações de menor qualidade, mas que vão ocupar menos espaço e, quem sabe, com ilustrações caprichadinhas, não podem até mesmo quebrar o galho, sem que ninguém perceba?

Reforma-se a cara dos jornais, com assessoria de empresas internacionais, mas não se resolve um problema fundamental: José Serra foi a Minas, ouviu o coro "Aécio presidente", teve de sentar-se no almoço em frente a um antigo desafeto, Ciro Gomes, e tudo isso apareceu instantaneamente no rádio, na TV e na internet, foi repetido nos portais noticiosos da internet, no noticiário do rádio, nos jornais da TV. No dia seguinte, umas 18 horas mais tarde, os jornais contaram a mesma coisa, mas sem som e com imagem estática.

O Palmeiras, que por pouco não foi campeão brasileiro há poucos meses, começa a perder seguidamente. Os jogos são transmitidos pelo rádio e aparecem na TV, com replay dos gols e dos melhores momentos, com comentários; os resultados estão na internet, com comentários de blogueiros diversos. E nos jornais, nem sequer se tenta descobrir o motivo da queda abrupta. Basta-lhes fazer uma matéria contando a mesma coisa que a gente viu na véspera.

Estará em queda a circulação dos jornais por falta de reformas gráficas? Pelo alto preço? Talvez não: reforma gráfica aparece a toda hora, e o preço só passa a ser alto quando o que se obtém pagando é inferior ao que é fornecido gratuitamente.

O Jornal da Tarde, que em um ano multiplicou por 3,5 sua tiragem de lançamento, publicava matérias de página inteira, diagramadas artesanalmente, com prioridade para aquilo que o leitor ainda não sabia. Se estava errado, por que a circulação passou de 12 para 40 mil exemplares em 12 meses?

Nota do Editor - Talvez o articulista não tenha dado atenção a um pequeno detalhe. Quando a tiragem do JT explodiu não existia internet e os jornais eram feios e sem graça. O Jornal da Tarde foi um divisor de águas, modernizou o jornalismo carrancudo e conservador da casa que lhe deu origem e acabou motivando a mudança dos demais. As fotos abertas, o texto bem cuidado e as vinhetas criativas tornavam a leitura do JT um prazer. Hoje há jornais com visual interessante, mas só o visual, as notícias são tão velhas quanto a idéia de implantar o comunismo no patropi. De 1966 para cá o mundo mudou, o que de certa forma é lamentável. Eu gostava de ouvir Herman's Hermits e ler o Jornal da Tarde. (Sidney Borges)

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