Deu em O Globo

Contradições

De Merval Pereira:
O prestígio internacional do presidente Lula está abalado depois de sua absurda mudez diante da morte do dissidente cubano Orlando Zapata Tamayo em uma prisão, após 85 dias de greve de fome, e de sua aproximação com a ditadura teocrática de Mahmhoud Ahmadinejad, no Irã.


O jornal espanhol "El País", hoje o mais influente da Europa, que havia lhe dado o título de "homem do ano", retirou simbolicamente seu apoio com uma crítica em editorial, afirmando que o governo brasileiro poderia exercer mais pressão sobre o regime cubano, em especial na área de defesa de direitos humanos.

Antes disso, já havia publicado um artigo do editor da respeitada revista de assuntos internacionais "Foreign Policy", Moisés Naim, que colocou Lula como um dos cinco grandes hipócritas de 2009. Os outros quatro hipócritas, segundo Naim, seriam:

* Os banqueiros, que sempre desdenharam o Estado e acreditavam no mercado e que, apesar de terem sido salvos pelo Estado na recente crise internacional, não aprenderam a lição;

* O ex-primeiro-ministro inglês Tony Blair, que declarou ter "profunda repulsa" por ditadores para justificar a necessidade de tirar Sadam Hussein do poder, mesmo que não tivesse armas de destruição em massa, mas, poucos dias depois, foi ao Azerbaijão para dar uma palestra na empresa do empresário mais rico do país, e se reuniu com o ditador Ilham Aliyev, amigo de seu anfitrião;

* "Os galãs" do Partido Republicano americano, que acusaram Bill Clinton de conduta inaceitável no affair Monica Lewinski, e agora aparecem envolvidos em escândalos sexuais, como o governador da Carolina do Sul, Mark Sanford, ou o senador John Ensign;

* E os magistrados britânicos que deram ordem de prisão à ministra de Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, acusada de crimes de guerra nos conflitos entre o Hamas e Israel na Faixa de Gaza, mas não acusaram Obama, Bush e Blair, por exemplo, pelos milhares de mortos no Iraque e Afeganistão.

Lula entrou na lista por não criticar as condutas autoritárias de seu amigo Hugo Chávez, e criticar as eleições democráticas ocorridas em Honduras, enquanto defende a eleição fraudada de Mahmoud Ahmadinejad no Irã.

A leniência de Lula com a ditadura de Cuba, explicitada pela amistosa visita a Fidel no mesmo dia da morte de Zapata, reforça certamente a lista de justificativas.

Ontem, a agência de notícias Associated Press (AP) divulgou uma entrevista com Lula em que ele volta a falar sobre a prisão de dissidentes cubanos. O presidente brasileiro trata Cuba como se não fosse uma ditadura, e faz comparações absurdas com o sistema judiciário brasileiro:

- Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos de prender as pessoas em função da legislação de Cuba, como quero que respeitem a do Brasil.

Ou então: "Eu gostaria que não ocorresse (prisão de presos políticos), mas não posso questionar as razões pelas quais Cuba os prendeu, como não quero que Cuba questione as razões pelas quais há pessoas presas no Brasil".

O mais grave, porém, é que Lula tratou como bandidos os presos políticos cubanos, e mais uma vez culpou o morto: "Eu acho que greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto dos direitos humanos para libertar pessoas. Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade".

Esses comentários do presidente Lula são preocupantes porque denotam que ele faz uma confusão terrível entre regimes democráticos e ditaduras, tratando-os igualmente.

É uma confusão mais grave do que a que faz entre o público e o privado. Recentemente, para justificar as inspeções que finge fazer em obras do PAC, mal acobertando a antecipação da campanha eleitoral, disse que só com "o olho do dono" as coisas andam.

Essa confusão conceitual de Lula pode ser definida pelo princípio da contradição de Aristóteles. Com duas proposições contrárias, se uma é verdadeira a outra é falsa.
Se Lula se diz um democrata, não pode aceitar a ditadura cubana. Se aceita, não é democrata. (Do Blog do Noblat)

Nota do Editor - Na recente visita do senador Romeu Tuma à Ubatuba foi lembrada a greve de fome de Lula no Deops, nos anos 70. Tuma era o manda-chuva do órgão policial-repressivo e Lula estava preso com outros sindicalistas por terem deflagrado greve por melhores salários. Nada a ver com outros presos políticos que lutavam contra a ditadura militar para implantar a ditadura do proletariado. Foi deles a idéia da greve de fome. Tuma temia a perspectiva de morte em suas mãos, haveria repercussão internacional, as ditaduras estavam pressionadas, fora de moda, fora de tempo. A palavra de ordem era respeito aos direitos humanos. Quando a greve acabou, depois de dois dias, Tuma, aliviado, presenteou os famintos com fartas porções de "lulas à dorê", do Acrópole, prestigioso resturante grego do Bom Retiro. Disse o senador que Lula agradeceu afirmando que nunca tinha comido prato tão saboroso. Acredito, mas é sabido que quem conta um conto aumenta um ponto. De qualquer forma, quando o preso quer implantar a ditadura do proletariado e faz greve de fome está certo, nada mais justo do que protestar contra as injustiças sociais. O ato heróico deve ser aplaudido e reverenciado. No entanto, se a masmorra estiver situada num paraíso socialista e o preso falar em democracia, não acreditem na sinceridade, é mais um lacaio do capitalismo fazendo o jogo das elites. Esse é o pensamento de Lula. Quando Lula fala a militância diz amém. No dicionário do lider máximo não existe o termo incoerência. (Sidney Borges)

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