Política

Uma bela sociedade

O PT protestava nos anos 90 contra a interdição do debate econômico. Hoje quem interdita o debate é o PT, em aliança com os mesmos vendedores de ilusões do primeiro mandato de FHC. Uns lutam para manter as posições de poder. Outros, os lucros

Do Blog do Alon (original aqui)
Ciro Gomes e o PSB experimentam as vicissitudes de um projeto político que não se encaixa no do presidente da República. O script é velho e repetido.


Vazam do palácio as manifestações de “carinho”, "apreço” e "consideração” de Luiz Inácio Lula da Silva pelo sonhador da vez. Pode haver até "gratidão” e, no limite, um “apoio”, que nunca se materializa. Enquanto isso, é colocada para rodar a máquina de moer outros sonhos que não os de sua excelência.

Resistirão Ciro e o PSB à blitzkrieg do Planalto? Um vetor da operação política palaciana nos últimos meses tem trabalhado para desidratar quaisquer possíveis alianças do eventual candidato socialista.

A razão é sabida. O PT temia que Ciro, podendo apresentar-se como alguém do “campo lulista”, acabasse tomando o lugar de Dilma Rousseff na polarização.

Como me disse um deputado do PT-SP no fim do ano passado. "O problema do Ciro é encarnar melhor que Dilma o espírito do confronto com os tucanos. Num ambiente de disputa feroz, ele estaria mais à vontade do que ela."

Mas esses são assuntos de Ciro, do PSB, do PT e das relações mútuas. Que resolvam como acharem melhor.

E o distinto público, teria algo a ganhar com a entrada do deputado e ex-ministro na corrida? Teria sim. E muito. A começar pela desinterdição de certa agenda, a do não financismo.

O PT ameaça agitar na campanha a ameaça de que o PSDB vai “mexer na economia”. Dado que os tucanos passarão os próximos meses lutando para escapar da excomunhão do mercado, por que não abrir espaço para alguém disposto a assumir o risco político de dizer que vai alterar o que precisa ser alterado?

O PT protestava nos anos 90 contra o que chamava de interdição do debate econômico. Criticou especialmente a cortina de fumaça erguida em 1998, com a colaboração da imprensa, para mascarar as fragilidades da economia na véspera da reeleição de Fernando Henrique Cardoso.

Hoje quem interdita o debate é o PT, em aliança com os mesmos vendedores de ilusões do primeiro mandato de FHC. Uns lutam para manter as posições de poder. Outros, os lucros. Uma bela e rentável sociedade.

Com um agravante: FHC pelo menos tinha o argumento de que precisava da âncora cambial para quebrar a espinha da inflação inercial. Agora, nem isso.

Um sintoma do ambiente é a presença de Henrique Meirelles na lista de possíveis vices de Dilma. O presidente do BC, aliás, está em plena campanha, cuidando de produzir factoides para distrair, enquanto protege os juros altos.

O alvo agora são os bônus dos executivos de bancos. Mas não deixa de fazer algum sentido. Em ambos os casos, ao propor conter os bônus e ao colocar lenha na fogueira dos juros, zela em primeiro lugar pelos dividendos dos acionistas das instituições financeiras.

A projeção realista do déficit nas transações com o exterior este ano corresponde a um quarto das nossas reservas internacionais.

A conta vai fechar por causa dos investimentos diretos, que o governo espertamente chama de “produtivos”. Como se o dinheiro nas bolsas carregasse automaticamente esse rótulo. Como se não fosse um maravilhoso negócio captar dinheiro lá fora para gerar aqui dentro receitas não operacionais.

Esta semana, a produção industrial de 2009 confirmou-se desastrosa. Talvez no fim de 2010 a indústria volte ao nível de 2008. Mas há por acaso alguém estrategicamente preocupado com a indústria, com as exportações, com a geração acelerada de empregos?

No establishment econômico e político, pelo jeito ninguém. Para que se ocupar disso se o dólar barato funciona como anestesia? Se coloca mais comida na mesa do pobre, garante as viagens e os gastos da classe média no exterior e alivia a vida de todo mundo que precisa importar?

Nesse ambiente, ideal para o petismo será enfrentar adversários manietados pela necessidade de defender a administração FHC. O PT poderá desfilar na campanha como o partido da "ruptura com a herança maldita”, enquanto cultiva a continuidade do que ela tem de pior.

Ciro Gomes, assim como Roberto Requião (PMDB), representaria pelo menos a possibilidade de discutir esses temas. Suas dificuldades políticas são um retrato da miséria do debate político e intelectual hoje em dia no Brasil.

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