Opinião

O déficit de Obama

Editorial do Estadão
As primeiras pesquisas sobre as reações dos americanos ao discurso do presidente Barack Obama sobre o Estado da União, na quarta-feira, confirmaram que a grande maioria dos seus concidadãos o aprecia muito mais como orador do que como condutor. A confiança na sua capacidade de fazer não só fica aquém do reconhecimento da sua aptidão para falar, como já nem é a mesma de um ano atrás. Em fevereiro passado, 87% estavam otimistas em relação ao presidente empossado no mês anterior. Agora, são 68% - um índice ainda alto, evidentemente, mas em trajetória de queda. Não são poucos os seus eleitores que acham que Obama perdeu de vista as vicissitudes do americano comum, com o desemprego na marca de 10%, acima das suas previsões iniciais, e a execução das hipotecas de muitos milhares de mutuários inadimplentes, vítimas do conto da casa própria impingido por Wall Street.

A ficha caiu no Salão Oval. No discurso perante o Congresso, o presidente, que passou um ano obcecado com o plano de reforma do sistema de saúde - mas deixando que os diferentes projetos da Câmara e no Senado fossem ambos capturados pelos interesses do setor de seguros e da indústria farmacêutica -, anunciou que "o nosso foco número um em 2010 tem de ser empregos". Ainda assim exortou os políticos para que não desistam da reforma, "não agora, quando estamos tão perto de terminar o trabalho". O apelo foi uma das tantas passagens da alocução em que assegurou que insistirá na sua ambiciosa agenda legislativa. Nada de errado com as mudanças prometidas, disse, em outras palavras. Ele é que não teria sabido explicá-las. É mais complicado do que isso. Até porque, no ano passado, Obama recorreu ao seu formidável domínio do verbo em mais de 400 discursos e uma centena de entrevistas.

Não foi, portanto, por dizer o que não devia que ele entrou em crise de credibilidade. Tampouco foi pela percepção popular da distância entre as luminosas promessas do candidato e os efetivos meios ao alcance do presidente para cumpri-las, em um sistema institucional no qual o Legislativo prevalece sobre o Executivo. A decepção veio do contraste entre as juras de Obama de que faria de Washington um lugar diferente e a constatação de que os interesses de sempre continuam dando as cartas no seu governo. No Estado da União, ele se mostrou compreensivo com as críticas às multimiliardárias operações de resgate da banca - "tão populares como um tratamento de canal", brincou. Seriam menos impopulares se Obama não tivesse chamado as proverbiais raposas para tomar conta do galinheiro, formando uma equipe econômica com os mesmos gurus da desregulamentação de Wall Street - a raiz do colapso financeiro que soterrou a economia.

Com monumental cinismo, dado o seu parentesco próximo com os gatos gordos da banca, os republicanos encontraram nisso a chance de recobrar a voz perdida com a falência moral e política do bushismo. Enquanto Obama ainda lhes estendia a mão, convidando-os a "atravessar o corredor" que os separa das bancadas democratas no Capitólio para chegar a um consenso sobre a reforma da saúde, eles desencadeavam viciosas campanhas de calúnias e de terrorismo político que não se imaginava que ousassem fazer tão já contra um presidente com o perfil e a aura de Obama. Embora tivesse praticamente caído de paraquedas na Casa Branca, custa crer que ele subestimasse a profundidade da polarização política em seu país, que tornou possíveis aquelas campanhas - e, de quebra, ajudou a eleger um republicano para a vaga do progressista senador Ted Kennedy.
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