Opinião

Bolsa fraudada

Editorial do Estadão
As principais restrições que sempre foram feitas ao Programa Bolsa-Família, do governo Lula, se referiam à chamada "porta de saída", isto é, como tornar seus beneficiários independentes do programa e introduzir, ou reintroduzir, no mercado de trabalho formal pessoas que se acostumaram a receber, sem nenhum esforço pessoal, um rendimento que, por menor que seja, cobre suas necessidades imediatas. A bolsa não induziria seus beneficiários a um sentimento de acomodação?

Agora, no entanto, surge um outro problema nesse programa, aliás, previsível, mas que era considerado antes de mínima relevância: a grande quantidade de fraudes detectada em auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). Os números absolutos são impressionantes, mesmo que o porcentual fraudado não seja grande, se comparado ao volume de recursos empregados no programa (R$ 11,4 bilhões este ano) e à quantidade de beneficiários (11,1 milhões).

O TCU constatou a existência de nada menos do que 1,1 milhão de famílias que recebem recursos do Bolsa-Família apesar de contarem com rendimento próprio maior do que o estipulado para se inscrever no programa. Cruzando a lista de beneficiários com o Registro Nacional de Veículos Automotores, o TCU descobriu que 106,4 mil famílias atendidas pelo programa possuíam veículos novos - carros, caminhões, tratores e até motos importadas com valores elevados. A propósito, uma família que declarou renda mensal por pessoa de R$ 35 - o que dava direito a receber R$ 94 do programa - tinha sete caminhões, avaliados em R$ 756,4 mil. Outra, com renda per capita declarada de R$ 60, possuía três tratores, avaliados em R$ 538,5 mil - e assim por diante.

Além disso, consultando o Sistema Informatizado de Controle de Óbitos (Sisobi) do Dataprev, o TCU comprovou que receberam dinheiro do Bolsa-Família nada menos do que 3.791 mortos. Realmente, é uma multidão de fantasmas bolsistas de fazer inveja à população de defuntos ativos do livro Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. O que é mais aberrante e condenável nesse tipo de fraude, envolvendo recursos públicos, é que pessoas muito pobres de fato, que necessitam dessa ajuda para ter condições mínimas de sobrevivência, especialmente alimentação, ficam sem ela. Pior do que o volume de recursos surrupiados dos contribuintes - e subtraídos de um programa social - é a facilidade que esse programa governamental propicia para a elucubração de criminosos esquemas fraudulentos, como se a criatividade delinquencial nele encontrasse terra fértil. E sem dúvida há toda uma perversa didática nesse processo - com discípulos ávidos em absorvê-la. Entre estes - como não poderia deixar de ser - figuras da política.

E agora vem a parte mais chocante: ao cruzar os nomes do rol de beneficiários do Bolsa-Família com a relação de candidatos nas eleições de 2004 e 2006, os auditores do TCU flagraram, como beneficiários do programa social, 577 políticos eleitos! E, se forem considerados os suplentes - aqueles candidatos que não foram eleitos -, o número cresce: foram 39.937 os políticos que receberam o Bolsa-Família. O TCU detectou que esses políticos - eleitos e não eleitos - pertencem a 22,6 mil famílias que só em fevereiro do ano passado ganharam R$ 1,5 milhão. Quer dizer, além da sustentação político-eleitoral que esse programa social propicia, também contribui para a sustentação financeira de políticos de carreira. Foi apenas em março de 2008 que o presidente Lula assinou decreto proibindo que políticos eleitos em qualquer esfera de governo recebam recursos do Bolsa-Família - antes tarde do que nunca.
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