Brasil

A jornada dos tolos da midia

Paulo Moreira Leite (original aqui)
Aos poucos, firma-se a convicção de que a midia brasileira estimulou, apoiou e celebrou um dos maiores golpes contra sua própria liberdade.


Estou falando daquela decisão recente do Supremo Tribunal Federal que aboliu a Lei de Imprensa e deixou um vazio legal e jurídico que em breve será transformado em campo aberto para ataques aos jornais, jornalistas e seus sucedâneos.

Sem a lei de imprensa, e sem regras claras para as vítimas se defenderem com o direito de resposta, tudo irá funcionar ao sabor das convicções de cada juiz e cada tribunal encarregado de examinar cada caso em particular, numa situação de incertezas e insegurança que as empresas de comunicação raras vezes conheceram em sua história recente — e que nunca fez bem ao trabalho de informar e analisar a vida social com independência.

É verdade que, mesmo com a legislação em vigor, ocorriam abusos de toda ordem — a começar por indenizações milionárias capazes de ameaçar a saude financeira das empresas e arruinar o patrimonio de profissionais levados a responder individualmente por suas reportagens. Imagine-se agora.

A constação do erro no STF já foi apontada por grandes mentes jurídicas do país. Mas o professor Manoel Alceu Affonso Ferreira, um dos maiores especialistas em Lei de Imprensa do país, publica um artigo hoje, no Estadão, onde passa a discussão a limpo.

Ele recorda que, embora tenha uma data de nascimento ruim — 1967, em pleno regime militar — a Lei de Imprensa que estava em vigor reconhecia determinados direitos próprios da liberdade de expressão. Noto que essa observação é menos absurda do que parece. Vivia-se, naquele ano, o final da fase conhecida como ditadura envergonhada, anterior ao AI-5.

Manoel Alceu lembra, inclusive, que a legislação anterior protegia o direito do repórter manter a fonte de seus relatos em segredo, sem sofrer “qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de penalidade.”

Tudo isso foi abolido, lembra o professor. Manoel Alceu diz que a mudança não será benéfica “nem para os veículos, nem para a massa dos leitores, ouvintes e espectadores.”

Com todo respeito, a situação lembra a célebre “Jornada de Tolos”, episódio ocorrido na corte absolutista de Luís XIII, em 1630. Iludidos pelos primeiros lances de uma guerra palaciana, um grupo de nobres chegou a festejar a queda do Cardeal Richilieu por algumas horas — até que descobriu que ele continuava forte como nunca, amigo e protegido do Rei, enquanto seus aliados é que seriam mandados para a prisão e o infortúnio.

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