Opinião

O salário do professor e o celular do senador

José Nêumanne
A carta do professor Marco Antônio Nunes, de Pindamonhangaba, publicada em 9 de abril no Fórum dos Leitores, nesta página A2, sob o título O povo paga, resume os males do Brasil de hoje como no passado resumia o slogan de Jeca Tatu: "Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são." Ele escreveu: "A filha do senador gastou em ligações de celular, durante alguns dias de passeio pelo México, R$ 14,7 mil, a mesma importância que ganhei durante todo o ano de 2008 como professor aposentado do Estado de São Paulo, após 30 anos de magistério."


Difícil encontrar exemplo melhor do contraste fatídico de nossa história nacional da infâmia: de um lado, a modéstia (melhor dizer miséria) com que o Estado brasileiro remunera os profissionais responsáveis pelo maior patrimônio de uma comunidade na sociedade da informação: a educação. Do outro, os privilégios com que se refestela a casta política dirigente, em especial a que participa das decisões do Poder tido como popular por excelência, o Legislativo, que reúne os representantes da cidadania.

Esta é a curta e grossa história de uma injustiça que se encerra aí, do ponto de vista do signatário da carta e de seus colegas de ofício. Professores são fruto da precariedade da educação neste país desde a própria infância, durante a qual são vitimados pelos defeitos sistêmicos de uma escolaridade deficiente: quase nada aprenderam nas escolas que frequentaram e ganham uma ninharia para ensinar o pouco que sabem nos estabelecimentos em que são empregados. No meio do caminho, não são treinados nem estimulados.

Do lado abastado, contudo, o episódio tem desdobramentos. Tião Viana não é um qualquer, mas um senador. A palavra que lhe define o ofício vem da latina senior, que significa mais velho. Não conota idade provecta, mas condição respeitável. Os mais velhos mereciam respeito nas tribos primitivas por causa de sua experiência, o que os tornava capazes de aconselhar os mais jovens - seu dever era evitar que as gerações inexperientes repetissem os erros deles. O Senado romano reunia os patrícios mais respeitáveis para conduzir os negócios republicanos, ou seja, da coisa pública. Nas democracias de poder tripartite e representação bicameral, como pretende ser a nossa, os senadores são representantes das unidades federativas, os Estados. Misturam-se, no modelo imitado do sistema bicameral adotado pelos Pais Fundadores da Revolução Americana por nossos constitucionalistas de antanho, o mando romano e a estirpe nobre dos barões britânicos. Pode-se argumentar que, já entre os romanos, nem sempre a respeitabilidade era sinônimo de superioridade, como o demonstram conspirações, caso da que terminou por abater Júlio César sob a estátua de Pompeu, à entrada do edifício onde se reuniam os senadores, frequentado por serpentes afiadoras de punhais. E que o sangue azul dos lordes ingleses não garante sua nobreza de atitudes, não sendo a Câmara de Lordes, assim como o Senado americano, um convento habitado por freirinhas virtuosas, como lembrou anteontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, referindo-se à nossa República cá.

Isso não quer dizer, contudo, que a lenda segundo a qual não existe pecado no lado de baixo da linha do Equador, corrente desde a Renascença, permita um acréscimo de letras capaz de transformar o que não é convento num conventículo, sinônimo pouco empregado de prostíbulo. A imagem é pesada demais, é certo, mas a verdade é que, como Catilina, o senador romano, seus colegas de ofício no Brasil contemporâneo têm abusado demais da paciência dos cidadãos que lhes sustentam os luxos e caprichos sem receber em troca o exemplo de decência e austeridade que de todos eles é lícito esperar. O senador Tião Vianna (PT-AC), por exemplo, não tem o couro cabeludo ornado por cãs que permitam classificá-lo como sênior (mais velho), mas é um senador tido como respeitável. Quando enfrentou José Sarney, a velha raposa do Maranhão, Amapá e adjacências, aparentava representar as forças do Bem contra as hordas do Mal. Não hesitou, contudo, em emprestar o telefone móvel com conta paga pelo contribuinte à filha, em seu passeio turístico pelo México.
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