Coluna de Domingo

O fim do vestibular

Rui Grilo
Em 1971, quando comecei a lecionar, era raro encontrar pais de alunos que haviam concluído a oitava série e, apenas alguns haviam se “formado” na quarta série. Geralmente, nas escolas em que trabalhei, havia oito classes de primeira série, de quatro a seis classes de quarta e apenas uma ou duas de oitava, o que revelava o caráter excludente da escola. Quando um aluno repetia de ano, muitos pais retiravam da escola porque não valia a pena investir em uma criança “burra”, que não aprendia. As que repetiam de ano e permaneciam na escola eram entregues aos professores mais novos e sem experiência, pois não tinham pontos necessários para escolher as melhores classes, aquelas em que os alunos se destacavam pelo bom desempenho escolar. Foi assim que, durante vários anos, na rede municipal de ensino de São Paulo,trabalhei com as classes de multirrepetentes, com alunos acima da faixa de idade normal para a série, com problemas disciplinares e com as quais não conseguia obter bons resultados seguindo a linha mais tradicional de ensino. Minha sorte é que no mesmo dia em que comecei a trabalhar com crianças, comecei a trabalhar com educação de adultos, e a receber orientações na linha de Paulo Freire, ainda que esvaziada de seu caráter mais político, porque já era um exilado, perseguido pela ditadura militar. Assim, pude ir adaptando novos procedimentos para conseguir melhores resultados com esses alunos.

Outra característica desse período pode ser observado no depoimento de Fatima Oliveira, médica e escritora, indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005:

“...em 1965, não havia sequer um ginásio público em todo o sertão do Maranhão [...] só cursava o ginásio (atuais 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do primeiro grau) quem passava no Exame de Admissão ao Ginásio. O motivo para tal exame era que não havia ''ginásio'' para todo mundo que queria cursá-lo...

''Passar no exame de admissão'' significava ter média para ser classificado conforme o número de vagas disponíveis. Do mesmíssimo jeito do atual exame vestibular.”

Assim, a realidade escolar era bem outra pois os alunos já eram selecionados e, mesmo os mais pobres que conseguiam entrar na escola sempre tinham um acompanhamento, especialmente das mães, porque era raro a mulher trabalhar fora de casa.

O Brasil dessa época era predominantemente rural. Em menos de quarenta anos a realidade do país se inverte, inchando as cidades e esvaziando os campos. Surgem as favelas. E se torna cada vez mais difícil sobreviver nas grandes cidades sem um mínimo de escolaridade. E para um mundo em mudança constante e cada vez mais veloz, aquela escola vista como “boa” já não teria mais razão de ser porque além de ser uma escola para poucos, era a escola da decoreba e da acumulação de conhecimentos que já não serviam para ajudar o indivíduo a resolver os problemas do cotidiano; era um conhecimento que servia para ser exibido para mostrar o grau de pertencimento do indivíduo a determinado grupo social, tal como hoje é mostrado pela marca dos carros ou das roupas que cada um exibe.

Assim, do mesmo jeito que a conclusão da quarta série garante a matrícula na quinta série, a conclusão do ensino médio deveria garantir o ingresso no curso superior, abolindo os exames vestibulares. Como isso ainda não é possível, muitos educadores pensam numa solução mais democrática, que não restrinja o acesso àqueles que não tenham dinheiro para freqüentar os tais “cursinhos prévestibulares”. Nessa perspectiva é que surge a proposta do Ministro da Educação Fernando Haddad de substituir os vestibulares das universidades federais do país, que passariam a ter 200 questões de múltipla escolha - atualmente a prova é composta por 63 - além da redação que já é aplicada.

O MEC argumenta que o vestibular desfavorece candidatos que não podem se locomover pelo território. Assim, um jovem que queira prestar medicina e tenha dificuldades financeiras, dificilmente poderá participar de processos seletivos de diferentes faculdades - e terá suas chances de aprovação diminuídas.

Por outro lado, as federais localizadas em Estados menores ficam restritas aos candidatos de suas regiões.

Além disso, o ministério afirma que um exame nacional unificado, desenvolvido com base em habilidades e conteúdos mais relevantes, passaria a ser importante para definir a política educacional e o conteúdo a ser ensinado no segundo grau.

A aplicação de provas de caráter nacional, apesar dos questionamentos sobre a sua validade, amplitude e poder indutor da qualidade, tem permitido que se façam comparações e hipóteses sobre as causas dos diferentes desempenhos das escolas e se busquem medidas para a superação.

Fontes: www.snn.com.br e www.vermelho.com.br
Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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