Opinião

Pirotecnia judicial

Editorial do Estadão
Independentemente dos fatores objetivos que levaram proprietários e executivos da Daslu a serem condenados por importação fraudulenta, falsidade ideológica, sonegação e formação de quadrilha, a ordem de sua prisão, os argumentos invocados para justificá-la e a fundamentação da própria sentença vão muito além das técnicas legais e do formalismo jurídico, convertendo-se em mais um espetáculo de pirotecnia judicial. Um dos condenados é a empresária Eliana Tranchesi, que sofre de câncer pulmonar e vem sendo submetida a tratamento quimioterápico.

Se os documentos e as provas materiais coletadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público contra a Daslu eram inequívocos, bastava à juíza encarregada do caso, da 2ª Vara Federal de Guarulhos, aplicar as penas previstas pela legislação penal, como ocorre em qualquer ação judicial. Contudo, certamente porque Eliana Tranchesi e seu irmão, Antonio Piva de Albuquerque, pertencem à alta sociedade e aparecem frequentemente nas colunas sociais dos jornais e em revistas de moda, a sentença de condenação mais parece uma plataforma política, tal a quantidade de afirmações maniqueístas, contrapondo ricos e pobres.

A motivação política também está presente na fixação das penas, que foi de 94 anos e 180 dias no caso de Eliana. Embora a ação fosse de sonegação fiscal, a punição em muito supera a aplicada a Suzane von Richthofen, que foi condenada a 39 anos pelo assassinato dos pais, em 2002. Como justificar tamanha falta de proporção?

Na sentença condenatória, Eliana Tranchesi e seu irmão foram classificados como "profissionais do crime" e acusados de fazer do crime um "verdadeiro modo de vida" e de ter conduta motivada por "cobiça em busca de acumulação de riqueza proveniente de meios ilícitos ". E, ao elogiar a decisão, o autor da denúncia, o promotor Matheus Baraldi Magnani, disse que ela "prova" que "um criminoso não é somente um desgraçado com um fuzil na mão, que está no topo de um morro".

Mais grave ainda foi a ordem de prisão preventiva dada pela juíza da 2ª Vara Federal de Guarulhos, desprezando orientação expressa do Supremo Tribunal Federal (STF). Há alguns meses, o STF determinou que réus condenados somente podem ser presos depois de esgotados todos os recursos a que têm direito ou, então, em exceções que justifiquem prisão preventiva. No caso dos proprietários da Daslu, a exceção não se aplica, pois são réus primários, respondiam ao processo em liberdade, compareceram a todas as audiências e vinham negociando o pagamento de impostos atrasados, multas e juros com a Receita Federal. Não havia motivo que justificasse a prisão preventiva.

Além disso, como foram condenados em primeira instância, Eliana e o irmão podem recorrer ao Tribunal Regional Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) - como foi feito - e sempre em liberdade, como determina o Supremo. Ao justificar a ordem de prisão e o desrespeito à orientação do STF, a juíza da 2ª Vara Federal de Guarulhos afirmou que "as prisões são essenciais para garantir a ordem pública" e "acautelar o meio social, retirando do convívio da comunidade aqueles que demonstrem ser dotados de intensa periculosidade". Segundo ela, "caso os réus venham a permanecer em liberdade, haverá um forte sentimento negativo de insegurança, de impunidade por parte de toda a sociedade, havendo, indubitavelmente, forte abalo à ordem pública".

No entanto, seguindo orientação do Supremo, os tribunais vêm permitindo a réus condenados por crimes violentos, como homicídio e latrocínio, aguardarem em liberdade o julgamento de seus recursos, até a sentença definitiva. O que é mais perigoso para a sociedade, deixar livre uma empresária sonegadora que tem residência fixa ou autores de crimes contra a vida?
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Comentários

Orlando disse…
Quem escreveu o editorial fala com certa autoriade no assunto. Sabe o que diz, pq estudou e pesquisou as espécies da prisão processual vigente em nosso sistema jurídico. E tmb decifrou o entendimento da nova Súmula do STF, queira ou não... esse é o nosso sistema constitucional...salvo aquelas situações excepcionais da NECESSIDADE de prisão cautelar, o que evidentemente não é o caso.
Gostei...! ainda tem gente que sabe o que escreve para levar informação decente ao público leitor e não aqueles...q falam muita asneiras e se viciam no campo de ilações e conjecturas, como um idiota aborrecente!!!
Orlando disse…
Puxa! não deu outra...bingo!
Acabou de sair outras seis liminares em HC impetrados pelos advogados de Camargo Correa...
Aquele juiz federal de Sanctis e a tal juíza federal de Guarulhos, ao invés de aplicar o direito em fatos concretos, mergulharam em ilações e conjecturas, sifu..., em pouco ou mais de 24 horas, viram-se que seus argumentos de indignação (contar historinhas para entrar na história), afim de sustentar a imediata prisão daqueles q sequer tiveram tempo hábil para se defender...viraram um monte de lixo. A Des. Federal do TRF 3ª região mandou soltar via LIMINAR todos os 10 presos, sem se ater no mérito da acusação, e nem tomou conhecimento do volumoso inquérito de PIROTECNIA policial e judicial. A gente já antevia isso sem conhecer os autos...só pelo modo de como aconteceu essas prisões....he he he! Quem é do ramo conhece e quem não é aprende...antes de se meter em jurista.

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