Opinião

O direito ao absurdo

Mauro Chaves
Ainda mais chocante, enojante e revoltante do que o fato de acusados de crime monstruoso alegarem inocência ante as evidências mais acachapantes que os incriminam é o fingimento, o cinismo, a representação (mesmo que de canastrões) em que se mostra o "como se fosse" como o que é. No entanto, na esfera do Direito Penal isso não é novidade alguma. Como os acusados exercem o pleno direito de mentir, para não se incriminarem - e esse é um nó ético que ordenamento jurídico algum já conseguiu desatar -, e como a dúvida sobre a culpa sempre pode favorecer aos mais abjetos facínoras, dentro do princípio in dubio pro reo, a prática advocatícia de defesa não encontra limites na ilogicidade de certas "inocências".

A estratégia preferida da defesa é produzir dúvidas. É negar a autoria sempre, jamais confessar, porque, permanecendo alguma dúvida (por menor que seja) quanto à culpa do réu, ele terá chances melhores de recursos ou de diminuição de penas, mesmo se condenado. E até correrão menos riscos de linchamento - fora ou dentro das prisões - os acusados de crimes horripilantes, como o que vitimou a menina Isabella, se restar alguma dúvida sobre a sua autoria.
Em lugares de penas mais severas, como nos 38 (entre os 50) Estados norte-americanos que adotam a pena capital, muitas vezes a confissão é obtida mediante negociação - em que o criminoso, por exemplo, ao admitir a culpa, troca uma pena de morte por 40 anos de reclusão. Mas num país como o nosso, em que o sujeito condenado a 30 anos (coisa raríssima) é libertado (se primário) depois de cumprir apenas 5, em razão da aberração legal que reduz a um sexto a punição, até das mais terrificantes maldades que pode praticar um ser humano, o que pode ser oferecido, de substancial, em troca da confissão de um réu, para dele se obter a verdade? Quanto vale a redução de uma pena automaticamente redutível?
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