No fio da navalha

Uma entrevista aos sábados

Não senti raiva por estar morrendo Raiva de quê? Raiva tem que ter um alvo. Sentiria raiva de mim mesmo? De um poder superior que decidiu que minha vida se acabava ali? E, mesmo que este poder existisse, que efeito teria minha raiva? Não senti raiva. Morrer, acabar, sentir raiva para quê? Em que acredita uma pessoa que sente raiva? Acredita que tem o direito de continuar vivendo? Talvez eu tenha sentido raiva. Admito isso. Mas o que me impressiona é a inutilidade da raiva nessas circunstâncias.
Não senti resignação. É mais como uma aceitação. São dois movimentos distintos. Você aceita porque não tem saída. A resignação é aceitação mas também uma desistência. Não pode haver desistência na aceitação.
Depois, de certa forma, foi uma ressurreição. Isso é o despertar de um corpo dormido e este corpo é seu. Os médicos estão fazendo seu trabalho e o seu é de ajudar a seu corpo neste processo que pode ser chamado de ressurreição. Mas prefiro chamar de regresso, que é menos dramático e mais claro. Está regressando a si mesmo. Fui reduzido a alguém que estava ali e que não tinha ânimo, força ou gana para escrever. A única parte do corpo que não sofreu perda, acho, foi o cérebro, que se mostrou extraordinariamente ativo, não posso explicar. Nunca caí na sonolência. Sempre estive muito desperto, com capacidade de observação e comentário. Fiz até piada! (Do Blog do Pedro Dória)
José Saramago

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