Espião?

"Vai ver o Chávez?"

Celso Cavalcanti
"Vai ver o Chávez, né?", era o que eu mais ouvia dos amigos ao dizer que minhas férias seriam na Venezuela. Não, eu não ia ver o Chávez. Queria curtir as praias e ilhas da região oriental do país, transição do Atlântico para o Caribe, juntamente com minha mulher e os dois filhos - um adolescente e o outro mais novo, de oito anos. Foi o que fizemos, durante as duas primeiras semanas de 2008.
Na véspera de voltar ao Brasil, pernoitamos em Caracas. Num passeio pela cidade, fomos ao palácio Miraflores, sede do governo. Diante do portão principal, pedi que meus três companheiros de viagem fizessem uma pose para foto. Já ia guardando a câmera quando fomos abordados por um soldado careca, vestido com farda verde-oliva meio desbotada, boina vermelha e uma pistola automática na cintura. Exigia rispidamente que eu apagasse a imagem.
Mesmo sem entender direito o que acontecia, fiz o que mandava, mas quando íamos embora ele tomou a câmera de minhas mãos e ordenou que o seguíssemos até o prédio do outro lado da avenida. Entramos, cruzando uma fila de soldados mal-encarados que empunhavam fuzis e metralhadoras. Lá dentro, nos levou até um sujeito sentado atrás de uma mesa, que tinha a seu fundo um pôster de Hugo Chávez e uma TV sintonizada na emissora estatal. No ar, mais um dos longos discursos do coronel-presidente. "Estavam tirando fotos do palácio", denunciou o primeiro soldado, entregando-lhe a câmera.
O homem nos olhou de cima a baixo. "Esta é uma área de segurança. Estão pensando o quê?". Arbitrário, ligou a máquina e passou a conferir cada uma das imagens do arquivo. Tivemos nossa privacidade violentamente invadida, e nosso sentimento era de repulsa e indignação. Lá estávamos nós, fazendo algazarra na areia, mergulhando no mar e na piscina, brincando em restaurantes e quartos de hotéis. Lá estava também minha mulher, sorriso largo no rosto, exibindo na praia, orgulhosa, a barriga grávida de quatro meses. Após censurar uma a uma as fotos, ele anotou os dados de nossos passaportes e deu um último aviso: "Por enquanto é só para registro. Mas não saiam mais por aí tirando fotos do palácio".
De volta ao Brasil, resta-me mostrar aos amigos e familiares as coloridas fotos já vistas em avant-premier pela guarda nacional venezuelana. E antes que eles me façam aquela mesma indagação inicial, terei de admitir, contrariado: "É, fui ver o Chávez". (Do Blog do Noblat)
Celso Cavalcanti é jornalista

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