Análise

Pra não dizer que não falei de flores

Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora não espera acontecer
Geraldo Vandré


Renato Nunes
Algumas pessoas têm falado sobre esperanças agora que entramos na fase pré-eleitoral da vida pública brasileira. Mas o que é isso quando há um corre-corre nas trocas de partido e a busca por novos filiados “bons de voto”?
Nesta época não se discutem planos ou programas, olham-se nomes. É uma correria maluca que constrói e destrói candidatos, obrigatória para aqueles que pretendem concorrer a um cargo eletivo. Pelo país afora o quadro dos competidores deve estar formatado com um ano de antecedência e com todos já na raia, embora as ações dos governos estejam em pleno andamento e algumas ainda por se iniciar.
Se nessa corrida insana um dos competidores for o titular do poder executivo local, sua cidade estará ferrada porque se seu trabalho for bom será apedrejado pelos concorrentes para enfraquecê-lo como candidato. Se for ruim, será trucidado em praça pública. E nós, cidadãos contribuintes, assistimos essa novela de mau gosto que se repete a cada quatro anos.
Outra treta política que nos é apresentada como garantia de bom governo para alimentar esperanças é a tal governabilidade.
O que vem a ser isso? Porque os chefes do Poder Executivo no Brasil têm que andar de mãos e pés atados com o Poder Legislativo, trocando os compromissos de campanha celebrados com a população por pífios acordos pontuais, alguns deles feitos por baixo do pano com parlamentares desconhecidos, eleitos por uma merreca de votos no oceano dos colégios eleitorais constituídos por dezenas de milhares de eleitores? Será que os prefeitos ou mesmo os governadores imaginam que precisarão sempre de novas leis e autorizações para governar? Não lhes bastam as existentes?
Eu explico, fazem isso por miopia política adquirida. Como outros fizeram, farão também. Não se dão conta de que as leis existentes quando articuladas com as respectivas Leis Orgânicas ou Planos Diretores de suas cidades permitem dúzias de prioridades em seus programas de trabalho, todas elas já consagradas pela população através das inúmeras audiências públicas realizadas para legitimar essas leis. Implantá-las e cumpri-las é sua verdadeira tarefa. Pela Constituição da República deve ficar a cargo dos vereadores e dos deputados, além dos avanços da legislação, a importante tarefa de fiscalização dos atos do poder executivo. Esse é o nó, fiscalização é a palavra mágica, permite tudo, para o bem e para o mal.
Quanto mais os governos afirmam que seus acordos com as lideranças partidárias são feitos para garantir a governabilidade, ou seja, para que os procedimentos de fiscalização não os atrapalhem, mais estão propondo arranjos de interesse. O conceito de governabilidade não passa de um engodo, de uma cortina de fumaça. É como se o Executivo dissesse, fica quieto aí, fecha os olhos, vota a favor do governo que eu dou um empreguinho para seus cabos eleitorais. O Mensalão, escancarado devido ao desentendimento ocorrido entre os quarenta ladrões com o Ali Babá, é a comprovação nacional desse desvio ético e político dos dirigentes brasileiros. O pagamento mensal, por baixo do pano e em dinheiro vivo, aos excelentíssimos senhores deputados e senadores é o referendo do Congresso Nacional aos atos do poder executivo. Enganaram a Nação chamando esse referendo de governabilidade. Governabilidade é, portanto, uma forma de calar a boca dos representantes do povo, eleitos para fiscalizar os atos do poder executivo.
Será preciso um estudo mais amplo para entender como começou esse tipo de “fazer política”. Creio que foi durante a convivência do Congresso com a ditadura nos anos 70, porém, não é o caso buscar aqui nestes comentários as explicações para isso, mas como seus efeitos viraram um hábito e distorceram procedimentos políticos e administrativos nos estados e municípios, acho que podemos fazer um exercício para ver como isso funciona. Sem pretender ir muito longe para não cansar os leitores, vamos usar como exemplo a aldeia de Iperoig, a nossa velha Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba, hoje internacionalmente conhecida apenas como Ubatuba.
Podemos começar em 1989, ano da promulgação da nossa Lei Orgânica. Sua discussão, por determinação constitucional envolveu toda a sociedade sob a coordenação da Câmara Municipal durante o ano todo. Quem tiver a pachorra de consultar essa lei verá que ali tem tudo que pode ou não pode ser feito no município. Diretrizes sobre a política da Saúde, da Educação, dos Transportes, Meio Ambiente, Abastecimento, Uso do Solo, Habitação, etc, etc, etc. Mas, ninguém usa!
Durante os anos 1989 a 1992 foi debatido pela sociedade sob a coordenação do Prefeito o PDDI, Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, engavetado pela Câmara Municipal em 93, 94, 95, aprovado em fins de 96 e novamente engavetado, desta vez pelo novo Executivo, até auto expirar-se sete anos depois. Caducou. Continha tudo o que poderia ser feito para desenvolver o município em conexão com os postulados, premissas e diretrizes da Lei Orgânica aprovada em 89. Também ninguém usou.
Durante esses anos todos, essas duas grandes leis, estruturais para o desenvolvimento urbano, econômico e social de Ubatuba, respaldadas e legitimadas pela população que compareceu ativamente a dezenas de reuniões e que consumiram centenas de horas de trabalho voluntário e de esperanças das inúmeras organizações e associações de bairro, viraram pó.
Em contrapartida, para não se dizer que o município parou no tempo, a velha lei do uso do solo de 1984, a famosa 711, continuou e continua a ser aplicada até hoje. Mutilada, retalhada, alterada, ignorada, vendida, negociada, espelha física e socialmente em nosso cenário urbano e econômico, o significado da palavra governabilidade. Por ela se compuseram prefeitos, vereadores, empresários e interessados de todo gênero. Uma leitura atenta de suas alterações revela os pontos críticos que determinaram retrocessos na qualidade de vida de nossa cidade. Cenários de alto interesse turístico foram degradados, acentuou-se o caos na ocupação do solo, os espaços públicos foram apropriados por um comércio rudimentar justificado por um assistencialismo eleitoral nocivo ao desenvolvimento do turismo. Enfim, tudo o que todos sabemos e falamos diariamente.
Ao longo desses vinte e três anos da lei 711 essa tal governabilidade emudeceu nossos representantes eleitos para fiscalizar o poder executivo, que fez o que quis e não fez o que devia, e tantas foram que tornaram o município refém do Ministério Público. Melhor por um lado, pois se salvou muita coisa, mas, por outro, até quando, até onde?
Hoje a ex Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba tem um novo Plano Diretor. Debatido por toda a comunidade, elaborado à luz das diretrizes da lei federal que regulamenta a política urbana brasileira, aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pelo Prefeito em fins de 2006, é um pretexto importante para que as forças políticas e a sociedade busquem em conjunto criar um novo tempo nas relações políticas entre os cidadãos e seus representantes temporários.
Uma das mais importantes medidas determinadas pelo Plano Diretor é a criação do Conselho da Cidade. Nele, os cidadãos estarão oficialmente presentes, independente de partido político ou filiação para propor, aceitar ou rejeitar os atos do poder público. A Câmara de Vereadores e o Prefeito não poderão legalmente caminhar sem a anuência do Conselho da Cidade.
Sua regulamentação se dará juntamente com a edição da nova lei de uso do solo. O andamento desses estudos está lento, já foi adiado o prazo de conclusão. Fala-se que a criação do Conselho da Cidade não interessa, e que por isso a lei de uso do solo está atolada em alguma comissão que não se reúne. Eis o mote para uma ação conjunta suprapartidária que pode se tornar programa e compromisso de candidatos.
O atual momento político apresenta indícios positivos muito importantes no sentido de elevar o tom dos temas de campanha conforme revelam as excelentes notas do PSDB, do PTB e do PT publicadas em seqüência nos últimos dias.
Acho que o Geraldo Vandré tinha razão, “quem sabe faz a hora não espera acontecer...”

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