Quem confere o ferro...

O PT e a lei do retorno

Ruy Fabiano
Nenhum partido, na história contemporânea do Brasil, nem mesmo a falecida UDN (braço civil do golpe de 1964) exerceu com maior rigor e implacabilidade o papel denuncista que o PT.
Ao longo de 23 anos – de sua fundação, em 1980, à eleição presidencial de Lula, em 2003 -, o PT desprezou alianças com outros setores da oposição, que também punha sob suspeita, e infernizou a vida de nada menos que cinco presidentes da República.
De João Figueiredo a FHC, passando por José Sarney, Fernando Collor (cujo processo de impeachment comandou) e Itamar Franco, nenhum partido propôs mais CPIs.
Nenhum se valeu mais do expediente de acusação sem provas. Nenhum desprezou mais o chamado princípio da presunção de inocência, que hoje Lula invoca para defender seus amigos.
Nenhum acionou mais a mídia com denúncias de toda a ordem: cheias e vazias. Convém lembrar que foi Waldomiro Diniz, então assessor do deputado federal José Dirceu, quem encaminhou pessoalmente à sucursal brasiliense da revista Veja documentação bancária furada a respeito de Ibsen Pinheiro, levando-o a ser injustamente cassado pela Câmara.
O PT se valia, nos tempos em que era oposição, de seu trânsito e prestígio junto aos servidores públicos, para obter quebras ilegais de sigilos telefônicos, bancários e fiscais de pessoas investigadas (ou que desejava que fossem) em CPIs. As informações eram encaminhadas aos jornais e revistas, que as divulgavam, gerando fatos consumados, estabelecendo parceria que o partido considerava de grande valia para o interesse público.
Nesse período, só havia elogios para a mídia, e quando havia queixas de excessos o PT cuidava de defendê-la.
O ex-ministro de FHC, Eduardo Jorge, deixou o governo no segundo mandato de seu chefe. Instalou-se numa consultoria e passou, com sua experiência de ex-ministro, a atender a uma vasta e prestigiosa carteira de clientes. O PT considerou imoral e irregular aquela atividade. E, em parceria com o procurador da República Luiz Francisco de Souza, passou a perseguir o ex-ministro.
Hoje, José Dirceu, ex-ministro de Lula, se queixa de que é perseguido pela mídia quando suas atividades de consultor são questionadas ou simplesmente expostas. Já não vê problemas em um ex-ministro valer-se de seu trânsito no governo para orientar sua clientela. Quando se tratava de Eduardo Jorge, no entanto, considerava um crime.
Na oposição, o PT valia-se de um expediente maroto para “criar” fatos. O procurador Luiz Francisco – que antes de tornar-se procurador foi filiado ao partido - ligava para alguns jornalistas e informava que havia “indícios” de que determinado figurão (e isso se aplicou a Eduardo Jorge) estaria delinqüindo.
O jornalista publicava uma nota informando que, segundo “fontes credenciadas”, fulano de tal estaria envolvido nessa ou naquela ação delituosa. Com base naquela nota, o procurador respaldava o início de uma investigação, argumentando que, “segundo a imprensa”, o fulano era suspeito.
A partir de então, uma coisa alimentava a outra: o procurador trazia “fatos” novos, a imprensa os veiculava e aquela notícia engordava o processo, que passava a gerar mais notícias.
Por aí, o PT propôs CPI no Senado contra Eduardo Jorge, fato que gerou grande tumulto à rotina legislativa e grande desgaste ao governo, ao presidente e, mais que a todos, a Eduardo Jorge, que viu sua carreira de consultor encerrada.
Anos depois – e tudo isso é público e já foi contado pela imprensa -, Eduardo Jorge foi inocentado e Luiz Francisco condenado pela Justiça. Curiosamente, o procurador, tão cioso da defesa do erário, não proferiu um pio em todo o curso do atual governo, em que não faltaram acontecimentos delituosos como os que dizia investigar no governo anterior.
Investindo, ao longo de sua trajetória, na indignação popular, o PT cresceu, ganhou prestígio e popularidade e aprofundou o descrédito da sociedade nas instituições políticas. Tornou-se referência de integridade, uma espécie de ilha de confiabilidade em meio ao oceano de trapaças da vida pública.
Mesmo personagens de envergadura histórica, como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, eram mantidos à distância pelos petistas, que não os consideravam suficientemente puros para selar alianças. Dois petistas que aceitaram participar do governo Itamar Franco – Walter Barelli e Luiza Erundina – foram expulsos do partido.
Brizola, que chegou a figurar como vice numa chapa eleitoral com Lula, sentiu-se sempre discriminado – e jamais escondeu isso. Chamava o PT de “UDN de batina”, numa alusão à sua parceria com as comunidades de base da Igreja Católica.
Hoje, o PT se queixa da “mídia golpista”, por estar veiculando denúncias de malversação de dinheiro público e outras modalidades de escândalo. Reclama da “fúria udenista” e moralista das críticas que recebe. Mas são bem mais amenas que as que proferiu quando não era governo. Imagine-se o que o partido, se prosseguisse na oposição, faria com um escândalo como o do Mensalão?
Imagine-se um Delúbio Soares ou um Silvio Pereira como dirigentes do PSDB ou do ex-PFL. Como o trataria Lula, que chegou a chamar o hoje aliado José Sarney de “grande ladrão do Planalto”, ao protestar contra a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria em 53 anos? Na ocasião, Lula disse que, com aquela medida, o governo queria “matar o trabalhador antes de aposentá-lo”, alegando que, em média, não vivia tanto tempo.
Ao chegar à Presidência, Lula propôs o aumento da idade mínima para 65 anos e ficou contrariado quando o Congresso a reduziu para 60 anos. Há poucos dias, o presidente reconheceu que disse muita bobagem no passado. Só faltou pedir para que esquecessem o que havia dito. O PT, ao que parece, já esqueceu. Mas isso, claro, não impede que sofra os efeitos da lei do retorno.
Há um dito bíblico segundo o qual deve-se ter cuidado com o “metro com que medes”, pois por ele “serás medido”.
E PT, saudações. (Do Blog do Noblat)

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