Santa Casa, contraponto

Um tratamento de choque para salvar a Santa Casa

Por Álvaro de Mesquita Spínola, gerente administrativo da Santa Casa

Estou à frente da Santa Casa de Ubatuba há quatro meses. Neste tempo, implantamos um choque de gestão com medidas delicadas, porém, necessárias. Algumas já produzem efeito e outras vão produzir resultados em breve. Resolvi quebrar o silêncio e trazer à tona as mudanças que algumas pessoas têm tentado impedir. Infelizmente, alguns médicos e funcionários foram substituídos por não aceitarem as mudanças. Outros funcionários foram demitidos por necessidade de redução de gastos.


O prefeito Eduardo Cesar sempre respeitou minhas decisões e tem me chamado diversas vezes para esclarecer algumas ações de correção no rumo da Santa Casa. Ele questiona sempre que tenho paciência demais com os médicos que emperram as ações de melhoria.

A Santa Casa sofre de grave desequilíbrio econômico e financeiro há muitos anos.

Há alguns médicos que não cumprem as normas administrativas, desrespeitam os funcionários e as enfermeiras, não cumprem horário do plantão, não respondem aos chamados por telefone em situações de urgência e emergência, minam a relação de confiança entre a administração e os demais médicos, instigam os demais a não trabalhar. O ambiente hospitalar não comporta atitudes como essa, pois, nesses casos, é o paciente quem sofre as conseqüências.

Tais médicos ainda enxergam a Santa Casa como uma teta farta. Eles não percebem que o leite secou e a vaca está para morrer. Ou eles cedem ou a Santa Casa vai fechar. Se a Santa Casa fechar, eles perderão seus empregos e a população poderá ficar sem o único hospital da cidade.
O diretor clínico, por exemplo, é responsável pela cobertura dos plantões, ou seja, é ele quem escala os médicos para atender a população. Se não o faz, coloca em risco o atendimento e a saúde dos pacientes. No dia 30 de abril, das 7h às 13h, as crianças internadas, inclusive recém-nascidas, não haviam sido examinadas pelo pediatra. Insistimos para que o diretor clínico convocasse um dos seis pediatras da Santa Casa, porém, ele simplesmente me disse: "Não vou ligar." Para justificar, argumentou que não poderia ir contra um movimento dos colegas. Felizmente, o Dr. Jucelino, anestesista, atendeu as crianças.


Eu demiti a diretora clínica anterior por situações como essa. Será que terei que demitir o novo diretor clínico também? Creio que não. Tenho a esperança que esse pequeno grupo de médicos sem compromisso não vai pressioná-lo a fazer mais tamanha barbaridade.

Nesses quatro meses em que estou à frente da Santa Casa, foram feitas todas as tentativas de negociação. O que propusemos e continuamos a insistir, é a garantia de um bom atendimento, adequação das escalas a valores compatíveis com a situação da Santa Casa, cumprimento dos horários e estabelecimento de padronização de procedimentos. Entretanto, por intransigência, eles se fecharam ao diálogo e apesar das inúmeras tentativas, os médicos não nos encaminharam uma única proposta para solucionar o problema. Convidamos diversos médicos a participar da reunião de planejamento estratégico da Santa Casa onde discutiríamos soluções para os sérios problemas que nos assolam, mas eles não compareceram e nem justificaram a ausência. Fui forçado pelos fatos a dar um basta.

Estamos implantando, a partir de 1º de maio, uma nova escala de médicos, estamos definindo proposta para o acordo coletivo com os médicos do Hospital. A principal mudança que vamos implantar - doa a quem doer - é que a Santa Casa não existirá mais para servir aos médicos e a alguns funcionários e sim o contrário. Os profissionais é que estarão lá para servir à Santa Casa e à população que procura por um atendimento digno. Tenho um abaixo-assinado com mais de
2.000 assinaturas pedindo que os médicos atendam bem a população e não façam qualquer movimento que gerem riscos ao atendimento da população.


Mas, apesar de todos esses problemas, nem tudo são pedras. Estamos avançando em diversas áreas. A despeito da dificuldade de diálogo com os médicos, ações paralelas estão sendo implementadas, como a revisão de diversos procedimentos administrativos e técnicos. Isso não se faz da noite para o dia, os funcionários estão sendo treinados para essas mudanças. Os treinamentos são focados principalmente na humanização do atendimento e na garantia da qualidade dos serviços. Gradativamente, progrediremos na direção de um melhor atendimento à população e melhoria as condições de trabalho das equipes.

A visita aos pacientes internados hoje é feita de forma mais humanizada. Agora, os visitantes podem aguardar o momento de visitar seus entes queridos, num local confortável e arejado, abrigado da chuva ou do sol. Determinei à minha equipe que estude uma forma de aumentar de trinta minutos para doze horas o tempo de visita, ou seja, queremos liberar as visitas aos pacientes, que poderão receber seus parentes e amigos a qualquer hora do dia, como acontece nos melhores hospitais públicos e privados do país.

Hoje, existe garantia do atendimento no Pronto-Socorro. Fizemos mudanças na coordenação dos médicos. Agora, temos sempre três médicos à disposição da população, 24 horas por dia e todos chegam no horário. Uma pré-triagem faz a priorização dos pacientes do mais grave para o menos grave. Como resultado, o tempo de espera diminuiu de "horas" para "minutos".
Queremos que as vitórias alcançadas no Pronto Socorro se espalhem para todo o restante do hospital. O médico que não cumpre horário lesa o hospital, lesa a imagem da classe médica e gera riscos à saúde do paciente. A Santa Casa de Ubatuba não é um hospital público, é de natureza jurídica, privada, mas pertence ao povo de Ubatuba, portanto tem um dono e isso a faz ser uma instituição "pública".


Agradeço pela oportunidade de estar à frente desse imenso desafio; agradeço ao Prefeito Eduardo Cesar pela confiança, pelas cobranças e puxões de orelha; agradeço aos médicos de bem, que colocam sua profissão acima das discussões baixas e mesquinhas de alguns poucos; agradeço ao corpo de enfermagem, que tem melhorado a cada dia e que carrega um fardo pesadíssimo. Agradeço também aos funcionários da área administrativa e serviços gerais, grupo ao qual humildemente pertenço, que faz, nos bastidores, um trabalho silencioso, nobre e imprescindível para cumprir a nossa difícil missão: Atender bem ao paciente.

Alvaro de Mesquita Spinola

Engenheiro, com pós-graduação em Gestão da Saúde e Administração Hospitalar. Ocupou o cargo de diretoria no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (InCor) em São Paulo e, a pedido do ministro da Saúde, foi para a Diretoria do Instituto Nacional de Câncer (INCa) Rio de Janeiro. Atualmente, é gerente administrativo da Santa Casa de Ubatuba.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu