Opinião

Lições da eleição francesa

A França exerce forte liderança política na União Européia. Para onde vier a se inclinar deverá influenciar as decisões que ainda estão pendentes de solução na continuidade da construção dessa formidável união político-econômico-financeira de nações: adesão ao euro, consolidação da constituição européia, do parlamento europeu, dentre as mais importantes.
A recente vitória de Nicolas Sarkozy para a Presidência da França, se por um lado pode ser considerada continuidade dos governos anteriores de direita, por outro lado, destaca-se pela personalidade do novo presidente, filho de imigrantes, não pertencente à elite francesa, um político de claras definições e intenções e dotado de um dinamismo e inteligência que o destacaram na luta contra a candidata socialista, a quem insistiu chamar em toda a campanha de “madame”, em arguta e fina malícia.
O presidencialismo parlamentarista francês vincula o poder presidencial à maioria que venha a obter na Assembléia Nacional, composta por 577 deputados de vários partidos. Se o partido do Presidente ganha maioria, também, na Assembléia, este pode nomear o Primeiro Ministro de sua linha que passa a ser, normalmente, o líder do governo na Assembléia. Caso contrário, deve nomear um da oposição o que, obviamente, diminui o poder presidencial e confere à oposição condições de realizar o seu programa. Este é um sistema que os americanos apelidam de “checks and balances”, ou pesos e contrapesos que lá, também, existe dentro da estrutura dos três poderes. Guardadas as diferenças entre os dois países que não são poucas, o que se busca em ambos é a mesma lógica do equilíbrio político necessário para governar, característica fundamental ao parlamentarismo.
Pragmaticamente, a eleição legislativa francesa dar-se-á nos dias 10 e 17 de junho, portanto, um mês após a eleição presidencial, um período para negociações político-partidárias que visem a consolidação do voto majoritário dado ao Presidente e lhe forneçam a maioria legislativa que busca. Normalmente, o voto francês tem sido coerente com a escolha presidencial, o que denota a clarividência dos eleitores. A coincidência das eleições, por seu turno, favorece essa uniformidade.
A eleição de Sarkozy, considerando-se seu programa de reformas e seu estilo franco, claro e objetivo, deve estabelecer novo marco no desenvolvimento da França e da União Européia. Provavelmente, venha a ocupar lugar de maior destaque do que ocupou Jacques Chirac, dada, também, a breve retirada de cena de Tony Blair que em breve deixará o governo da Grã Bretanha. Derrotando a candidata socialista, cujas propostas foram ambíguas, “a cargo do que negociassem as partes”, destituídas, pois, do tom de determinação pessoal programática do adversário, Sarkozy pretende tirar a França do marasmo econômico em que se encontra, dando-lhe uma orientação mais dinâmica rumo ao capitalismo moderno na economia e ao liberalismo econômico na política. Sua pregação eleitoral salientou a busca da flexibilização nas relações de trabalho, quebra do corporativismo dos direitos adquiridos, maior abertura comercial, privatização e descentralização, respeito à propriedade privada, administração enxuta e eficiente, diminuição da carga tributária, reforma da previdência, seguindo os passos já dados pela Inglaterra, Espanha, Itália, em especial, dentre alguns outros membros da União Européia. Entre suas citações que mereceriam de nós, brasileiros, reflexão maior, destaca-se, “estou convencido de que há uma moral do capitalismo, que é uma moral da responsabilidade e do mérito...”; “que o capitalismo está condenado se a remuneração de cada um não tem relação com a riqueza que ele cria”.
O caminho para o bem-estar social no mundo globalizado de hoje e sujeito a uma liberalização ainda crescente das atividades produtivas e das relações de comércio e de trabalho, é um Estado enxuto e eficiente, que cobre baixos impostos e que apóie verdadeiramente a iniciativa privada, exatamente o oposto do que estamos vendo em partes da A. Latina. O caminho que Sarkozy deseja trilhar vai nesta direção. Resta saber como os adeptos da esquerda francesa se comportarão frente à execução do programa de reformas do novo governo. O que ocorreu nas ruas, logo após a vitória, todavia, parece indicar que o respeito à vontade da maioria não faz parte de boa parte desses adeptos. E não é só lá que isto ocorre. É a minoria aguerrida e vociferante contra a maioria silenciosa.
A França já foi, até meados do século passado, paradigma cultural para os brasileiros. Quem sabe poderá vir a se tornar paradigma político no futuro que no andar de nossa carruagem, entretanto, acha-se algo distante.

Ernesto F. Cardoso Jr.
efcardoso@uol.com.br

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