Censura

Prefeito impediu vereador, sindicalista, membros da sociedade civil e imprensa de acompanhar reunião sobre salários atrasados do PSF.

"... se o príncipe tem um poder absoluto pode abusar dele. Como se pode impedir o abuso do poder? Não se pode impedir, senão de um modo: limitando-o."
Thomas Hobbes


O prefeito Eduardo César (sem partido) impediu, na noite de ontem, 09 de janeiro, que o vereador Jairo dos Santos – PT, o sindicalista Clementino Briet e a conselheira do PSF – Programa de Saúde da Família, Maria do Carmo da Cruz Santos Comende, que haviam sido convidados por funcionários, acompanhassem a reunião realizada na Escola Tancredo Neves, onde a Prefeitura apresentaria a sua proposta para o pagamento do salário atrasado de dezembro de 2006, da segunda parcela do 13º salário e dos cinco meses devidos de cestas básicas aos funcionários do PSF.
O Prefeito, ao microfone, como forma de pressão, informou aos presentes que, se o vereador, o sindicalista e a conselheira não saíssem do recinto, ele daria por encerrada a reunião. Diante de tal impasse, os três preferiram retirar-se.
Para Jairo dos Santos, a atitude do Chefe do Executivo, exigindo a saída dele do recinto, atingiu frontalmente o princípio de isonomia entre os poderes. A Constituição Federal e a Lei Orgânica Municipal garantem ao vereador o poder/dever de exercer fiscalização sobre os atos do Executivo. Para Jairo, a atitude do Prefeito “atinge em cheio o discurso de transparência e democracia, peças chaves nas falas do prefeito, demonstrando claramente a divergência entre o seu discurso e a sua prática”.

Reivindicação

Durante a manhã da terça-feira, um grupo de funcionários do PSF reuniu-se com membros do Executivo, para tentar fechar um acordo, para receber os salários atrasados. Neste encontro, onde agendou-se uma reunião com o prefeito, estiveram presentes também o COMUS e o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde de S. J. Campos e região.
Na tarde de ontem, funcionários do PSF, o vereador Jairo e membros do COMUS entregaram documentação ao Ministério Público, solicitando providências.
Os funcionários reivindicavam o imediato pagamento dos salários de dezembro de 2006, da segunda parcela do 13º salário e dos cinco meses de cestas básicas atrasados.

Sem imprensa

As propostas apresentadas pelo Chefe do Executivo e as razões apresentadas por este para justificar o atraso do pagamento dos funcionários do PSF, infelizmente, não poderão ser lidas nesta matéria, uma vez que a minha entrada foi impedida, por ordem deste, no local da reunião.
Por solicitação de funcionários do PSF, informei à vários órgãos da imprensa local da reunião que iria ocorrer. Antes de partir para o local da reunião, conversei por telefone com o Jija, do Jornal “A Semana”, combinando com ele nos encontrarmos naquele local. Lá chegando, identifiquei-me e disse que gostaria de cobrir o evento como jornalista. A funcionária comissionada Jaqueline Dutra disse que meu nome não estava na lista e que aquela era uma “reunião administrativa”, entre “patrão e empregados” e eu não estava autorizado a entrar naquele local.
Argumentei que se tratava de uma questão pública, pois se discutia sobre verbas que foram repassadas pelo Governo Federal e a população de Ubatuba, que é usuária do Programa, tinha o direito de saber os motivos do atraso do pagamento dos funcionários do PSF.
Um dos diretores da ONG Movimento de Defesa de Ubatuba, Fabian Perez, também foi impedido de adentrar o local do encontro. Mesmo alegando ser cidadão e ter o direito de obter informações sobre o emprego de verbas públicas, não lhe foi permitido entrar.

Retirado por exigência do Prefeito

Resolvi permanecer no átrio, ouvindo a reunião. A funcionária Jaqueline novamente exigiu que eu me retirasse. Solicitei então a diretora daquele estabelecimento, Rosa Marangoni, autorização para que pudesse permanecer no local. A diretora, democraticamente, quis garantir o meu direito.
Mas esta situação durou pouco. Quando era iniciada a leitura da ata, foi exigida, desta vez, segundo a funcionária Jaqueline, por ordem do prefeito, a minha retirada do recinto.
Qual era a razão da proibição? Impedir que alguém ouvisse e relatasse as queixas dos funcionários com salários atrasados e passando necessidades? Que a população soubesse que estes servidores reclamaram que, na última cesta básica que receberam, meses atrás, o feijão estava “bichado” e o arroz com o prazo quase vencido? Que o Prefeito propôs pagar uma ou duas cestas básicas àqueles servidores em dinheiro, para que eles pudessem honrar os juros dos seus carnês atrasados? Que o Prefeito pediu paciência, propondo o pagamento dos salários em aberto para o dia 19 de janeiro?
As queixas dos funcionários do PSF já eram do conhecimento de muitos. O que queríamos saber e levar ao conhecimento dos nossos leitores era o posicionamento e justificativo do Executivo em relação aos fatos, e as propostas da Prefeitura para resolver os problemas em pauta, direito este que nos foi negado.
Segundo Jairo dos Santos, “transparência não deveria ser apenas uma palavra chave de discursos. Transparência deveria ser prática, compromisso administrativo. Entre o discurso e a ação, existe um vazio. Transparência exige aceitar críticas, corrigir falhas, modificar rumos e democracia também”.

Preservação de Direitos


De forma a documentar legalmente estas verdadeiras afrontas contra a liberdade de imprensa, de informação e contra a isonomia dos poderes, foi lavrado o B.O. 237/07.
Sou jornalista profissional há mais de quinze anos. Em todos estes anos, jamais passei por uma situação constrangedora como a aqui relatada, de ser impedido de documentar uma reunião, de ter a minha retirada exigida por um político.
O direito do público de ser adequadamente informado, é um tema sobre o qual RUI BARBOSA já chamava a atenção em sua célebre conferência "A imprensa e o dever de verdade" e que, atualmente, invocando-se a defesa dos interesses sociais e indisponíveis, desemboca na tese de que o direito positivo brasileiro tutela o "direito difuso à notícia verdadeira".

"A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.
Sem vista mal se vive. Vida sem vista é vida no escuro, vida na soledade, vida no medo, morte em vida: o receio de tudo; dependência de todos; rumo à mercê do acaso; a cada passo acidentes, perigos, despenhadeiros. Tal a condição do país, onde a publicidade se avariou, e, em vez de ser os olhos, por onde se lhe exerce a visão, ou o cristal, que lha clareia, é a obscuridade, onde perde, a ruim lente, que lhe turva, ou a droga maligna, que lha perverte, obstando-lhe a notícia da realidade, ou não lha deixando senão adulterada, invertida, enganosa". (Rui Barbosa, em A Imprensa e o Dever da Verdade, p.37)


Para conhecimento e análise dos nossos leitores, alguns artigos da Declaração de Princípios Sobre Liberdade de Expressão:

1. A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática.

2. Toda pessoa tem o direito de buscar, receber e divulgar informação e opiniões livremente, nos termos estipulados no Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Todas as pessoas devem contar com igualdade de oportunidades para receber, buscar e divulgar informação por qualquer meio de comunicação, sem discriminação por nenhum motivo, inclusive os de raça, cor, religião, sexo, idioma, opiniões políticas ou de qualquer outra índole, origem nacionais ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

3. O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental do indivíduo. Os Estados estão obrigados a garantir o exercício desse direito. Este princípio só admite limitações excepcionais que devem estar previamente estabelecidas em lei para o caso de existência de perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas.

4. A censura prévia, a interferência ou pressão direta ou indireta sobre qualquer expressão, opinião ou informação por meio de qualquer meio de comunicação oral, escrita, artística, visual ou eletrônica, deve ser proibida por lei. As restrições à livre circulação de idéias e opiniões, assim como a imposição arbitrária de informação e a criação de obstáculos ao livre fluxo de informação, violam o direito à liberdade de expressão.

Marcelo Mungioli

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