Política

O adesivo

Eleições pra cá, eleições pra lá, e eu indo pra praia. De repente, uma cadeia de pensamentos se formou por causa de um simples adesivo.
Como tudo já passou, como já chegamos a um resultado, e como temos instituições que me asseguram liberdade de expressão, posso me permitir uma exposição pessoal sem maiores danos, a não ser mesmo a exposição em si.
Pois bem. O adesivo. Resolvi mostrar minha preferência eleitoral e coloquei em meu modesto veículo, na parte de trás, um adesivo com o nome de meu candidato.
Nas proximidades da praia, comecei a sentir uma movimentação do partido adversário e pensei, com uma certa paranóia, que meu posicionamento, conforme o calor da torcida, poderia gerar um ataque de raiva por parte dos militantes. Mas, pensei ao mesmo tempo, como minha postura é pacífica, como só quero mostrar minha escolha, sem provocar ninguém, do lado deles talvez se dê o mesmo.
Viajei, viajei e viajei neste raciocício, indo até a etimologia da palavra democracia que é formada por ‘demos’, do grego, que quer dizer povo, mais o sufixo “cracia”, também do grego “kratos, que quer dizer poder, regime. A soma das duas – demo+cracia –vem a ser um regime de governo onde o poder das decisões políticas é dos cidadãos, da maioria, representados por seus eleitos. Seguindo a cadeia da razão observei a fundamental importância do voto num regime democrático: ele é garantido sem que qualquer discriminação de raça, sexo religião ou classe o impeça de ser exercido, etc., etc.
Essa onda de pensamentos levaram-me a refletir muito sobre o verdadeiro exercício da democracia. O fato de alguém portar qualquer tipo de material de propaganda, do que quer que seja, partido político, religião, grupo de rock ou opção sexual, é muito significativo. É uma demonstração radical de que temos que aceitar a diversidade, temos que aceitar que o OUTRO existe, e com posicionamentos diferentes. É uma prática difícil que requer consciência, maturidade, renúncia voluntária, desprendimento, e, sobretudo, muita vigilância para que a sardinha não seja puxada de um lado só.
Vou dar um exemplo. Tenho alguns queridos amigos com quem compartilho alegrias e tristezas há mais de três décadas e dos quais sou muito orgulhosa pelas pessoas e profissionais que são.Temos em comum a mesma “weltanschauung”, palavra um pouco pernóstica, de origem alemã, usada por Emmanuel Kant no final do séc. XVIII, que quer dizer visão de mundo. A palavra é afetada mas resume muito bem a convergência de nossas idéias. Isto é, temos imagens e concepções semelhantes quanto às regras sociais, à educação de nossos filhos, ao respeito ao meio ambiente; participamos de movimentos alternativos, de contracultura, que modificaram o comportamento dos jovens nos anos 60/70 o que significa dizer que participamos juntos de uma revolução nos costumes, e muito mais. Enfim, nosso modo de pensar é “quase” uníssono. Sim, “quase”por que, quanto à política, divergimos totalmente. A ponto de evitarmos o tema quando nos reunimos em época de eleições, sob pena de termos uma escarapela a cada encontro.Como é possível que essas pessoas tão próximas de mim em pensamento possam, numa determinada área, tomarem um caminho tão diferente? E mais, cada qual é tão convicto de suas idéias no campo político que a gente não pode nem mesmo conversar sobre o assunto? Não é surpreendente? Isto demonstra o quanto é difícil, mesmo para pessoas com um certo grau de esclarecimento, aceitar opiniões divergentes.
E tudo isso por causa de um adesivo. Do Geraaaldo.


Miriam Tabarro

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