Opinião

A extravagância acolhida

Editorial do Estadão
Para quem disse que eleger a ex-ministra Dilma Rousseff é "a coisa mais importante" do seu governo e a "coisa prioritária" da vida do presidente da República este ano, a decisão de Lula de não vetar o reajuste, aprovado pelo Congresso, de 7,72% aos aposentados que recebem mais de 1 salário mínimo foi um ato de irrepreensível coerência.

Foi também uma lição para todos quantos acreditaram na sua promessa de que não se deixaria seduzir "por qualquer extravagância que alguém queira fazer por conta do processo eleitoral", como disse na segunda-feira, um dia antes do fim do prazo para a sanção ou veto do aumento, reiterando garantias anteriores na mesma linha.

O presidente fala pelos cotovelos. Por isso, ou as suas palavras mais recentes fazem esquecer as mais antigas, com as quais não raro se chocam, ou fazem perder de vista quais delas foram proferidas para valer, impedindo que sejam levadas às últimas consequências lógicas - e práticas.

Lula decerto ficou agastado com a demagógica operação, efetuada a quatro mãos pelo grosso da base parlamentar do governo e as bancadas oposicionistas, que acrescentou 1,5 ponto porcentual à proposta do Executivo de elevar em 6,14% os benefícios de 8,4 milhões de aposentados e pensionistas do INSS. E não há por que supor que fosse jogo de cena a sua iniciativa de buscar um meio-termo: nem o valor original nem o dos políticos, porém 7%.

A oposição, que se imagina esperta, ajudou o Legislativo a dar as costas a um acordo que, já de si, oneraria os cofres públicos em mais R$ 1,1 bilhão. (Agora será R$ 1,6 bi.) A bisonha jogada consistia em fazer bonito perante os jubilados e coagir o presidente a vetar a lambança, assumindo o papel de algoz dos velhinhos. Dos oposicionistas pode-se dizer que, quando eles estão indo, Lula já está voltando. Embora deixasse correr solta a divergência entre, de um lado, os ministros da Fazenda e do Planejamento, e os do Trabalho e Previdência, de outro - os primeiros defendendo insistentemente o veto -, Lula nunca há de ter excluído de seus cálculos a alternativa de aceitar os 7,72%.

Segundo uma versão, ele teria contemplado a hipótese do veto, mas desistiu para não dar à oposição uma segunda chance eleitoreira. De fato, para não deixar os aposentados sem nenhum aumento acima da inflação, o presidente teria de editar uma nova medida provisória com qualquer índice diferente do inicial. Como 2 mais 2 são 4, a festiva coalizão da extravagância tornaria a impor o reajuste ampliado - isso, se a oposição não emplacasse um valor ainda mais irresponsável. De novo, Lula viria a ser empurrado às cordas, com a diferença de que, a essa altura, a campanha sucessória já estaria a pleno vapor e o custo político de um segundo veto seria simplesmente proibitivo.

Agora, concordando com os 7,72%, Lula dá a volta por cima. Ele poderá posar de benfeitor - a maioria do eleitorado lhe creditará a bondade, e não ao Congresso -, diga o que disser a oposição. É pouco provável que, em geral, os aposentados simpatizantes da candidatura do tucano José Serra ou da verde Marina Silva migrem por causa disso para Dilma. Mas o ponto é outro. O veto, este sim, tenderia a transferir um certo número de votos dela para os adversários. E, embora seus condutores evitem o assunto em público, a campanha dilmista acha que pode liquidar a fatura no primeiro turno. Daí Lula não se arriscar a perder os votos dos aposentados.
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