Coluna do Mirisola

Boilesen ontem, hoje e sempre

"Enquanto Waltinho pensava n’alguma maneira de estragar o livro de Kerouac e tinha insights geniais no Alabama, o Exu Tiriri me expulsava do seu terreiro lá no Andaraí"

Marcelo Mirisola*
Parece que tenho umas contas a acertar com o sobrenatural. Não bastasse minhas dívidas com os $etubinhos e os juros que os mauricinhos líricos me cobram em carne e osso diariamente (dêem um pulinho na Taií e conheçam a central do Brasil profundo), agora tenho dívidas para acertar, ainda nessa vida, com alguns credores que andei zoando em minhas vidas passadas. E na vida presente também. Complicado, né?

E não é só. Pelo que depreendi do esporro que levei, algumas contas ficarão para a vida futura, porque nessa aqui eu não vou conseguir pagar não. Acho que não aprendi nada. Continuo o mesmo. Isso, segundo o Exu que me expulsou do terreiro, um tal de Tiriri. Imagino que eu deva ser um cara muito filho da puta que cometeu graves impropérios contra as leis naturais e contra as sobrenaturais também: dizer, por exemplo, que os artistas brasileiros e a imprensa ilustrada são reféns dos irmãos $alles, é pecado de lesa-biografia e condenação póstuma em vida e depois de morto.

O tipo da coisa que transforma você num zumbi e o elimina de editais, prêmios, convescotes em geral e da admiração de velhos entusiastas: enfim, essa gente ilustrada que, diferentemente de você, é abençoada por Deus e agora deve estar ansiosa para ver a nova obra prima do Waltinho $alles, o bitinique 30 horas. Porque os culturebas e o além é que dizem que minha alma é podre e que eu tenho contas pretéritas e futuras a acertar com eles, logo eu. Um bom cristão que reza o Pai Nosso antes de dormir e ao acordar também. Não se zoa Waltinho Salles.

Será? Waltinho – vejam só – nosso bitinique 30 horas, está viajando de trem pelos EUA e dá entrevistas queixando-se da caretice em que vivemos. Não é uma graça? Como é que eu não ia zoar?

Mas o pior foi ter sido expulso da macumba do Exu Tiriri. Enquanto Waltinho pensava n’alguma maneira de estragar o livro de Kerouac e tinha insights geniais no Alabama, o Exu Tiriri me expulsava do seu terreiro lá no Andaraí. Tô falando sério:

- Pera aí, seu Tiririca! O senhor nem me conhece e vem me dizer que eu não posso zoar as pessoas? O que eu vou fazer da vida, seu Tiririca?

Isso que dá: vai chamar o Tiriri de Tiririca. No começo me senti mal pra cacete, era o que me faltava, uma gafe com o sobrenatural. Depois, não aguentei e cai na gargalhada. A assistente do Exu também não aguentou. Tiririca quase engoliu o charuto. Ficou putíssimo e, antes de me mandar embora, e de rogar mil pragas passadas, presentes e futuras, me recomendou a leitura do Evangelho.

Pra ler o Evangelho? Foi isso o que o Exu me disse? Caramba! Eu leio, também prometo que vou ler a Piauí, mas antes quero ver Kerouac sob as lentes do Itaú-Unibanco, digo, do Waltinho $alles.

Já disse uma vez e faço questão de repetir (o nome do meu filme queimado não é Pé na Estrada,mas Pé na Bunda ... e já que está queimado mesmo, foda-se) então: se você tem conta no Itaú e não consegue mais ser explorado no caixa eletrônico de sua agência – simplesmente porque o seu crédito secou e o dinheiro não sai mais do caça-níqueis, você – isso que é um travelling - ainda tem a possibilidade de pedir arrego na Taií, no subsolo da própria agência, lá eles emprestam. Quase 20% ao mês. Não é revolucionário, Ignácio de Loyola Brandão?

Os leitores decerto sabem que o premiadíssimo Ignácio de Loyola Brandão, autor do igualmente revolucionário “Zero” e figurinha carimbada em todos os rapapés e festas literárias, desde Paraty até Itapecirica da Serra, também é o biografo de Olavo Setúbal, o velho Setubão. Pois é. Ele mesmo. É sim. O engajado Loyola começa a biografia dizendo mais ou menos que Setubão era um homem à frente de seu tempo, um revolucionário. E eu modestamente acrescento: mais revolucionário que Che Guevara e Kerouac juntos. Taií 20% ao mês. Mas não é só o Loyola não. Tem muita gente que trabalha pros irmãos Salles-Setubal e que vai adorar a nova fase bitinique do cineasta mais talentoso do Brasil. Antes mesmo de o filme ser rodado já tem livro elogiando o feito do nosso bitinique 30 horas – algo completamente inédito na história universal da armação e da puxação de saco. Eu fico constrangido. O bajulador chama-se Marcos Strecker, o título do livro “Na estrada” (editora da Folha).

Suspeito, não sei por que .... que essa mesma gente é que vota nesses concursos literários fajutos e celebradíssimos que existem por aí. A propósito, para vocês que leram meu Memórias da Sauna Finlandesa, e que gostaram do livro, quero dizer que – segundo os jurados do prêmio Portugal Piada de Português Telecom* (http://www.premioportugaltelecom.com.br/2010/juri-inicial.asp) – o livro é uma bosta e vocês são uns retardados. O livro não prestou sequer pra ficar na qüinquagésima quarta posição. Está bem assim?

Os insuspeitos Strecker e Loyola Brandão são jurados. Eles e mais uma dúzia de desafetos que mantenho por aí. Curioso, né? Antes de seguir em frente, e antes de alguém dizer “só porque ficou de fora está reclamando” bem, eu digo que sim e digo que não. Digo que sim, porque com 100 mil reais ou 20 mil ou 15 mil eu poderia voltar a acessar minha conta no Itaú, e pagaria o que devo a Exu Tiririca, digo Waltinho Salles. E digo que não, porque evidentemente tem alguma coisa de podre aí.

Querem constatar? Então, leiam o livro classificado de José Mindlin.

Aproveitem, também, para conhecer a história desse homem nos tempos da ditadura. Vejam “Cidadão Boilesen”. José Mindlin e Ermírio de Moraes, segundo o excelente documentário de Chaim Litewski, foram os únicos empresários que se recusaram a contribuir para a caixinha da Oban (Operação Bandeirante).

Beleza, mas alhos não tem nada a ver com bugalhos. Bom caráter é uma coisa, literatura é outra completamente diferente. Imagino que Ignácio de Loyola Brandão saiba disso (em todos os sentidos) e também deve ter conhecimento que a famigerada ditadura foi incentivada por empresários da Fiesp e banqueiros da Febraban; a pergunta é: onde estava o patrão naquela época?

Ele mesmo, o Setubão, pai dos Setubinhos e agora sócios dos irmãos Salles.

Setubão – segundo Loyola – era um homem à frente de seu tempo. Acredito nisso. Um sujeito bonachão e risonho que – já na época da Oban – ria dos “artistas” apodrecidos que ele compraria na xepa das ideologias. Um visionário, sem dúvida. Comprou todos, como se fossem chicórias murchas levadas pela enxurrada de cinismo que varreu o mundo depois da queda do muro de Berlim.

Pelo perfil do dr.Setubão, creio até que ele tenha dado ombros a Boilesen, o gringo que vibrava com os suplícios dos antigos comunistas (futuros correntistas da Taií ...) nos porões dos nossos Dois-Codis - tão sádico quanto ingênuo, o dinamarquês. Não sei. De qualquer forma, não deixa de ser um mimo encontrar o rei Roberto Carlos e João Gilberto no visor dos caça-níqueis do Itaú, um banco que patrocina música, literatura, teatro, artes plásticas e enfia uma peroba de 20% na bunda do pato que não é aquele que o João Gilberto imita em sua famosa e irritante musiquinha.

Só para concluir. Creio que esse espírito da Oban continua por aí. A mesma vocação. Seus diletos filhotes apenas mudaram os métodos. Eles não precisam mais da truculência de um delegado Fleury para executar serviçinhos sujos, né Loyola? né Strecker?

Muito pelo contrário. Hoje, lá no set de filmagem em Hollywood, Waltinho Salles queixa-se da “caretice” da classe média. Vejam só. Aposto que os funcionários do Waltinho não são caretas, longe disso: são pessoas super modernas e transadas: alguns dão cursos de semiótica na Casa do Saber, e o Waltinho que é moderno e antenado e, agora, também é bitinique 30 horas, e que não é bobo, claro, uniu-se aos Setubinhos e – enfim - sequestraram a cultura brasileira e enfiaram seus correntistas e devedores em “espaços culturais” e festas literárias que misturam Fernando Henrique Cardoso, Lou Reed e Robert Crumb – o novo circo de horrores do séc. XXI. Isso é diabólico. Uma coisa impensável há cinquenta anos.

Imaginem um Sartre tentando desesperadamente chamar atenção para si enquanto Leni Rietenstahl executa uma performance no pole-dance e rouba os olhares do respeitável público, imaginem os dois debaixo da mesma lona. Sartre equilibrando malabares, e Leni jogando a calcinha prum Setubão em êxtase na platéia.

Impensável? Depois de 50 anos, não. Você encontrará versões dessa e de muitas outras deformidades em Paraty 2010: uma jaulinha pós moderna onde gênios desinformados e aberrações muito bem-informadas convivem pacificamente e fazem contorcionismos para o deleite de uma platéia de poodles capados e ex-donas de casa carentes e deslumbradas em geral. Dez reais uma long neck.

Os sacanas, donos de agências de publicidade, sites, terreiros de macumba, redações e afins, eles, os sacanas e os seus manuais desencanados, diriam que o nome desse circo de horrores é convívio democrático: são os Boilesen modernos.

Os neo-sádicos . Exagero meu? Então qual outro nome que poderia se dar àquilo que Waltinho Salles fez com Che Guevara? Transformou o assassino revolucionário num clichezinho água com açúcar pra cidadão Boilesen sacudir a pança acompanhado do capeta lá na Taíi .... vale dizer, esses senhores compraram o passado e a história e agora vão estragar – anotem – On The Road; não o livro, isso é impossível, mas a compreensão da obra , o que é muito pior.

Sem dúvida, aprimoraram os métodos. Mas continuam os mesmos Boilesen de sempre. Ou seja, continuam eliminando do convívio quem não lhes interessa, através da “alta cultura” e dos altos juros que cobram dos trouxas que os aplaudem e pedem bis.

*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

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