Opinião

Avanço democrático

Editorial do Estadão
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por 6 votos a 1, favorável à vigência da Lei da Ficha Limpa já neste ano, é sem dúvida um avanço, pois a probidade na política e o respeito à ética no trato da coisa pública são princípios norteadores de qualquer democracia digna desse nome. É marcante, além disso, o fato de essa lei ter se originado de uma ampla mobilização popular, liderada por dezenas de organizações da sociedade civil que resultou na obtenção de 1,6 milhão de assinaturas e 1,7 milhão de apoios via internet, pressionando o Congresso Nacional a aprovar o projeto, ainda que o flexibilizando em vários pontos.

No julgamento da consulta, feita pelo senador Arthur Virgilio (PSDB-AM), sobre se a lei vigoraria ou não para as eleições de 2010, o Tribunal manifestou-se pela validade já, uma vez que ela foi aprovada antes das convenções partidárias sem, portanto, provocar mudanças no processo eleitoral - já que há jurisprudência firmada, com base na Constituição, segundo a qual modificações no processo eleitoral devem ser aprovadas com pelo menos um ano de antecedência das eleições. Antes de os ministros do TSE votarem, a vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, defendendo a vigência imediata da lei, salientou que o Projeto Ficha Limpa "está ligado à insatisfação popular e à vontade popular de mudar, de que tenhamos daqui para a frente candidatos que sejam capazes de exercer seus mandatos sem se envolver em escândalos" - esse sendo um bom resumo do que a sociedade brasileira espera da classe política.

Depois de muitas idas e vindas, a Lei da Ficha Limpa vinha se mantendo coerente e consistente, mas, a certa altura, sofreu o golpe de uma "emenda de redação", do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que nela introduziu uma verdadeira cláusula de anistia - o que, certamente, marcará a carreira política do parlamentar. O projeto final já excluía das disputas eleitorais apenas os políticos condenados por juízos colegiados e não os que respondem a inquéritos e processos, ou que ainda estejam recorrendo de condenações proferidas por juízos singulares. Mas, com a "emenda Dornelles", os políticos condenados antes da sanção da lei, em 4 de junho passado, poderão se candidatar livremente. Anistiaram-se, assim, aqueles que a Justiça considerou, também em segunda instância, como autores de delitos. Se o objetivo da nova lei era livrar a vida pública daqueles cujos atos a Justiça reprova, e que justamente por eles foram condenados, essa emenda de última hora contraria o espírito da lei e a limpeza ética que ela procura promover.

Mesmo assim, porém, com o que ficou de concreto na lei, é possível dizer que ela irá contribuir para a melhoria dos costumes e da moralidade da classe política em geral, uma vez que estarão impedidas de candidatar-se pessoas condenadas por crimes eleitorais, de improbidade, de lavagem de dinheiro, de ocultação de bens - por mais de um juiz. A perda do mandato e a consequente proibição de concorrer a novas eleições por oito anos é um forte dissuasivo de desvios de conduta, além de contribuir para reduzir o efeito negativo que a sensação de impunidade suscita no público, pois, a partir de agora, cessa a velha prática de renunciar ao mandato para evitar a cassação e garantir um novo mandato logo depois.

Há que se reiterar, no entanto, que, apesar da triagem ética que a nova lei pode proporcionar, ela ainda está longe de garantir a melhoria da qualidade da representação política que a sociedade brasileira exige e merece. Para tanto, é fundamental que os partidos se incumbam, em primeiro lugar, da seleção ética dos que pretendam suas legendas. Além disso, dado o imperativo de mudanças visando ao aperfeiçoamento do regime político-eleitoral brasileiro, é necessário que o Congresso Nacional se disponha a empreender a reforma política de que há anos se fala - começando pela eliminação dessa excrescência que é a manutenção de dezenas de partidos, a maioria não representando coisa alguma, funcionando como notórias legendas de aluguel.
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